Nenhum dos cinco candidatos a vencer as eleições legislativas em Espanha no próximo domingo, 10 de novembro, conseguiu eliminar as dúvidas que centenas de milhares de cidadãos mantêm acerca da viabilidade de um Governo estável e coerente a partir da próxima segunda-feira. Após mais de duas horas e meia de debate televisivo entre os líderes dos principais partidos, não ficou claro que fosse possível desbloquear a situação política.
Se os especialistas em sondagens estiverem certos, boa parte dos 35% de indecisos que os estudos de opinião registam, a cinco dias da nova ida às urnas (a segunda em seis meses e a quarta em quatro anos), a incerteza irá manter-se. Foi notável a ausência de propostas claras que desanuviem o horizonte da governabilidade para os próximos anos.
Apenas Pablo Iglesias, líder da aliança Unidas Podemos (UP, esquerda populista), manifestou o seu desejo de formar um Governo de coligação com o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda). O secretário-geral socialista e primeiro-ministro, Pedro Sánchez, não respondeu a esta proposta e atribuiu a Iglesias grande parte da responsabilidade pela atual situação. O líder da UP recusou a oferta feita pelo socialista no verão passado, na sequência das eleições de 28 de abril, para entrar no Executivo.
Uma segunda coisa ficou clara: não haverá grande coligação PSOE-Partido Popular (PP, centro-direita), a avaliar pela contundência com que os dirigentes destes dois grupos se pronunciaram a esse respeito. Ainda assim, Sánchez pediu diretamente a Pablo Casado, presidente do PP, a abstenção numa previsível nova sessão de investidura do candidato socialista se, como preveem todas as sondagens, voltar a sair vencedor no próximo domingo.
Nacionalismo espanhol ressurge
Catorze milhões de espanhóis, segundo empresas especializadas neste tipo de estatísticas, acompanharam, nos momentos altos do debate, o confronto a cinco. Único debate desta curta campanha eleitoral, foi transmitido para todo o país através do sinal da Academia da Radiotelevisão, organismo privado que agrupa profissionais destes meios. O formato, excessivamente rígido, permitiu, não obstante, momentos de alta tensão dialética, como os confrontos abertos entre os líderes das formações de direita. Pablo Casado mediu forças com Albert Rivera, do Cidadãos (Cs, centro-direita liberal) e, em menor medida, com o debutante Santiago Abascal, chefe do partido de extrema-direita Vox, ao qual as sondagens auguram um magnífico resultado. Impelido pelos conflitos de ordem pública que se vivem na Catalunha, e que acenderam um nacionalismo espanhol oposto ao separatismo catalão, o Vox surge nas projeções como terceira força política, atrás do PSOE e do PP, com cerca de 47 assentos parlamentares.
É habitual nestes debates procurar encontrar vencedores e vencidos. Não parece que neste caso os tenha havido. Poderia dizer-se que nenhum dos competidores cometeu erros de vulto e que cada um utilizou os tempos do espartilhado (e acordado) sistema de intervenções para vender as suas mensagens a um público já convencido de antemão. Ainda assim, os especialistas calculam que 6 a 8,5% dos indecisos terão decidido o seu voto depois de assistirem ao debate da noite de segunda-feira.
Sánchez, que chegou ao palco do Pavilhão de Cristal da Casa de Campo, na capital espanhola, persuadido de que os adversários iriam centrar as suas estratégias no ataque à sua pessoa e à sua política, saiu airoso da prova e manteve uma atitude presidencialista em todos os momentos. Rivera, do Cs, protagonizou um dos momentos mais dramáticos do debate ao exibir uma pedra da calçada, como as que, segundo ele, os arruaceiros independentistas atiravam à polícia na Catalunha durante as manifestações violentas que se seguiram à sentença que condenou os políticos separatistas julgados e encarcerados pela sua participação na intentona secessionista de outubro de 2017.
Iglesias, em teoria o político mais à esquerda dos presentes no debate, foi quem manteve a posição mais respeitosa e institucional, sem deixar de lado os seus. Pablo Casado, do PP, perdeu a calma em certos momentos e foi o mais indisciplinado no uso dos tempos. Abascal alcançou o seu objetivo: propagar a mensagem de extrema-direita defendida pelo Vox, que, seguindo o exemplo de países próximos, encontrou nas circunstâncias presentes terreno fértil para as suas posições xenófobas e antieuropeias.
Autonomias regionais em causa
No campo das propostas concretas ou antecipação de programas de Governo, ninguém se desviou do guião previsível. Os partidos de direita prometeram baixar impostos para estimular uma economia que, apesar de manter razoáveis taxas de crescimento, já acusa claramente a desaceleração. Já a esquerda coincidia em fomentar a despesa do Estado, financiada com um aumento da pressão fiscal sobre a banca, grandes fortunas e empresas tecnológicas.
O Vox pediu a simples suspensão do sistema de autonomias regionais e a interrupção da assistência sanitária gratuita aos imigrantes, ao passo que Rivera e Casado concordaram em solicitar a Sánchez medidas mais duras, como a aplicação da Lei de Segurança Cívica, para restabelecer a ordem nas ruas catalãs.
O primeiro-ministro em gestão pediu apoios para aprovar uma lei que estipule que, após eleições, poderá governar a força política mais votada. Visa assim contornar a previsível hipótese de uma vez mais se chegar a uma situação de impasse depois de contados os votos no dia 10 de novembro.