Internacional

Em Espanha foi dia de análise, de crítica e de fact-checking. Líder do Vox emerge como o vencedor do debate em sondagens online

Quase todos os jornais pediram aos seus leitores que votassem na melhor prestação no debate de segunda-feira. Esta terça foram conhecidos os resultados e são claros: Santiago Abascal, segundo os leitores que votaram, foi o grande vencedor. Isto não é o mesmo que dizer que quem votou concorda com as suas ideias mas parece claro que Abascal sabe transmitir aquilo em que acredita. O problema é que uma rápida verificação da veracidade dos seus argumentos mostra um discurso sexista e xenófobo sustentando em números falsos

Foto Ana Baião

Há algo que ficou claro nesta terça-feira de todas as análises: quase todas as sondagens publicadas depois da discussão a cinco deram a vitória a Santiago Abascal, o líder do Vox, o partido de extrema-direita que tem a mensagem mais descomplicada: primeiro os espanhóis, depois os outros, e neste grupo incluiu os catalães. Segundo a sondagem do jornal “El Mundo”, com mais de 400.000 participantes online, o vencedor incontestável da noite foi Abascal, com mais de 52% das pessoas a considerarem que venceu a esgrima de retóricas. É seguido por Pablo Casado, com 18,6%; Pedro Sánchez, com 12,2%; Pablo Iglesias, com 10,2%; e, finalmente, Albert Rivera, com 6,5%. Que o líder do Cidadãos foi o claro perdedor também parece consensual. Também para os leitores do ABC, que contou com 60 mil inquiridos no seu questionário, Abascal leva a taça, com 49% a fazerem dele o vencedor. Segue-se o outro líder da direita, Pablo Casado, com 23%; Sánchez, com 15%; Pablo Iglesias, com 8%; em último novamente, com 5%, Albert Rivera.

No “La Razón”, o líder do Vox é o grande vencedor e por uma grande diferença. Para 48% dos 146 mil participantes, Santiago Abascal foi quem mais se distinguiu no debate, seguido por Pablo Casado, com 21%; Pedro Sánchez, com 16%; Pablo Iglesias, com 10%; e Rivera, na última posição, com 5%. Por fim, mas não com um resultado assim tão diferente, a consulta realizada pelo “El País” junto dos seus leitores mostra que 35,43% deles elegem Abascal para primeiro lugar do pódio. Seguem-se Pedro Sánchez, com 20,34%, e Pablo Iglesias, de perto, com 19,26%. Em quarto ficou Pablo Casado, com 12,52% dos votos, e em último, com menos de 5%, Rivera.

O dia foi de campanha mas ainda muito alimentado pelas manchetes que acusaram a ressaca da noite de segunda-feira, a do único debate entre os principais líderes partidários.

Só houve uma oportunidade e já se esgotou mas aos espanhóis que ainda ficaram com dúvidas não falta material de consulta: entre constantes atualizações nas redes sociais, intervenções em comícios, ações de rua e panfletos vários, muita informação há ainda para consumir nos cinco dias que faltam para o voto final. Foi em forma de carta que chegou a contribuição de Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana da Catalunha e ex-vice-presidente da Generalitat, o governo catalão. Como destinatário teve Pedro Sánchez, chefe do Governo espanhol, que Junqueras acusa de “vetar uma maioria progressista apenas por causa da sua cobardia”. “Sente-se à mesa e converse. É apenas uma conversa com os independentistas”, pediu.

Mas a julgar pelo debate, Sanchéz quer fugir dessa possibilidade, tendo até proposto que se mudasse a lei para impedir referendos ilegais “como o da Catalunha”. Os jornais desta terça-feira sentenciaram: “Sanchéz não deu resposta aos desafios económicos”, escrevia o “El Mundo”, “Santiago Abascal, o vencedor para os leitores na maioria dos meios de comunicação”, lia-se ainda na página online do mesmo jornal. “Sanchéz procura o centro num debate que não desbloqueia nada”, é um dos destaque do “El País”. “Sanchéz evita Catalunha”, é o curto e direto resumo do “La Vanguardia”.

Pode tentar evitar o assunto na televisão mas ele continua nas ruas. Esta terça-feira o porta-voz do governo catalão, Meritxell Budó, confirmou que são permitidos protestos no dia das eleições. O governo da Generalitat negou ainda a existência de atos violentos durante as mobilizações de segunda-feira contra a visita do rei à Catalunha para entregar os prémios Princesa de Girona e avançou que "garantirá o direito de protestar" durante o dia de reflexão, isto quando é sabido que os atos de boicote separatistas se destinam precisamente à disrupção do ato de voto. Em conferência de imprensa, o porta-voz garantiu contudo que é responsabilidade do governo garantir que todos possam votar normalmente.

Não faltaram também artigos de opinião sobre as “consequências” do debate nem o “fact checking” às certezas expressas pelos candidatos. O “El Mundo” apanhou várias imprecisões no discurso dos candidatos. Pablo Iglesias, por exemplo, disse que a Constituição espanhola prevê um aumento das pensões diretamente relacionado com o aumento do índice de preços de bens essenciais para o consumidor mas isso não é verdade. O artigo 50 da Constituição limita-se a dizer que "as autoridades públicas garantirão, por meio de pensões adequadas e periodicamente atualizadas , a suficiência económica para os cidadãos na terceira idade”, sem referência a qualquer índice específico. Também Pedro Sánchez, que quer ver a televisão catalã TV3 mais politicamente confinada, apresentou uma medida para que o conselho de administração da entidade à qual a TV3 pertence seja eleito por dois terços do Parlamento com uma reforma da lei geral do audiovisual, mas esse requisito já aparece numa recente lei catalã, datada de 23 de outubro deste ano.

Pablo Casado, o candidato do PP, disse por seu lado que a Declaração de Pedralbes, assinada entre Sánchez e o Governo catalão em 2018, definiu as forças de segurança como repressoras, qualificou a monarquia como franquista e negou a independência judicial, mas nenhuma dessas declarações aparece no documento acordado pelo governo.

Também o grande vencedor da noite, Santiago Abascal, viu o seu discurso escrutinado pelos jornais. Conhecido por propor um relaxamento nas leis que protegem as mulheres da violência de género, Abascal disse que 86% das queixas por violência doméstica acabam arquivadas mas, nesse processo, quem passa por criminoso sem ter sempre culpa é o homem. Ora, esse número não é factual. De acordo com os dados disponíveis na Procuradoria-Geral do Estado e no Conselho Geral do Judiciário (CGPJ), só 33% das queixas foram arquivadas e 18% levaram mesmo a condenação. Abascal disse ainda que em 70% dos casos de crimes sexuais os acusados são estrangeiros. Outra mentira. Segundo o relatório sobre crimes contra a liberdade sexual, em 2017 70,1% dos presos ou investigados por crimes sexuais eram cidadãos espanhóis, em comparação com 29,9% estrangeiros.

Albert Rivera, cujo partido, o Cidadãos, aposta muito na valorização da família, disse no debate que há 40 anos que Espanha vem descendo na taxa de nascimentos, o que não é exatamente verdade: entre 1998 e 2008 houve uma subida.