No dia 18 de janeiro de 1936, sábado, António de Oliveira Salazar foi empossado pela terceira e última vez no cargo de Presidente do Concelho de Ministros do X Governo da República. No país vizinho, o Governo republicano preparava-se para as eleições de 16 de fevereiro. Francisco Franco, tinha então 44 anos, e foi nomeado comandante militar das Canárias, onde passou 127 dias, até assumir a liderança da insurreição nacionalista.
Estes dois homens que haveriam de governar os dois países da península nas décadas seguintes, tinham tanto de diferente quanto de semelhante. Franco era católico e monárquico, Salazar um católico fervoroso que manteve o regime republicano intacto, sem hostilizar os monárquicos. Franco foi um aluno mediano, Salazar doutorou-se com 19 valores.
Franco ambicionava ser caudillo de Espanha, Salazar nunca quis ser Presidente da República. Franco gostava da vida social e do conforto material, Salazar teve uma existência recatada e poupada.
Franco foi sepultado em lugar de destaque na Basílica do Vale dos Caídos — que mandou construir usando o trabalho forçado dos presos políticos — Salazar numa campa rasa na terra onde nasceu.
Atento ao que se passava em Espanha, Salazar nomeou o professor de Direito Armindo Monteiro para o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. O consulado do pai do escritor Luís de Sttau Monteiro duraria menos de um ano.Foi o próprio Salazar que tutelou diretamente esta pasta nos 11 anos seguintes.
A guerra que matou meio milhão de pessoas
Em Espanha, viviam-se tempos de grande agitação e confrontos entre falangistas, comunistas e anarquistas.
Se as chefias do Exército nada tinham feito pelo ditador Miguel Primo de Rivera quando este liderou o Governo de Espanha no reinado de Afonso XIII [bisavô de Filipe VI], também não estavam nada contentes com a República — proclamada em abril de 1931.
A direita espanhola endinheirada e monárquica foi-se mudando para Portugal. Foram muitos os que escolheram o Estoril para se instalar. Um deles foi o general José Sanjurjo, que chegou a ser nomeado pelos republicanos para a chefia do Exército, antes de entrar em confronto com o primeiro-ministro Manuel Azaña.
Em agosto de 1932, Sanjurjo — que conquistara o título de marquês de Rife pelos seus feitos na guerra de Marrocos — liderou uma rebelião que falha. Foi julgado, condenado à morte, mas a pena foi comutada para prisão perpétua. Amnistiado em março 1934, mudou-se para Portugal, e transformou-se no potencial e quase mítico líder de um futuro golpe da direita anti-republicana.
A insurreição dos militares revoltosos surgiu dois anos depois, a 18 de julho de 1936, em Marrocos. No dia seguinte, domingo, Sanjurjo embarcou num pequeno avião para assumir o comando da revolta. O avião despenhou-se pouco depois de descolar na zona do Estoril.
Franco, que até aí nunca se tinha envolvido em nenhuma tentativa de golpe, voa das Canárias para Marrocos para se juntar aos revoltosos. Tinha 43 anos.
Os jornais de 19 de julho transmitem uma proclamação do general Franco dirigida a Martinez Barrio, que nesse dia assumira a presidência interina do Governo republicano eleito em fevereiro: “ Ao tomar conta conta do comando do Exército, protesto energicamente contra a atitude do governo, pelo facto dos seus aviadores bombardearem localidades indefesas, fazendo vítimas entre mulheres e crianças, sem matar qualquer militar. Intimo-os a entregar o poder pois o movimento militar já não pode deixar de vencer. Viva a Espanha!”.
A proclamação foi difundida por intermédio do posto da Guarda Civil de Tetuan. A sangrenta Guerra Civil estava em marcha, num conflito que também passou pela informação.
Atentas a uma guerra civil cujo desfecho se anunciava trágico a diplomacia francesa e inglesa movimentam-se para obter um pacto de neutralidade por parte dos países europeus — excepto as fascistas Alemanha e Itália que estariam do lado dos Nacionaistas.
O Governo português foi contactado, e ensaia uma dança de ‘nins mas tambéns’. A 1 de setembro, Salazar recusa a proposta francesa de pertencer à comissão internacional de fiscalização da “não intervenção” em Espanha. O embaixador britânico entra em cena e tenta convencer Lisboa a aderir ao Comité de Fiscalização, nos dias 4 e 11.
Da Legião Portuguesa às brigadas dos Viriatos
A 30 de setembro, o Governo reconhece qiue a Legião Portuguesa é uma “formação patriótica de voluntários destinada a organizar a resistência moral da Nação e cooperar na sua defesa contra os inimigos da Pátria e da ordem social”, lê-se numa cronologia disponível na Fundação Mário Soares.
Esta força para-militar de voluntários surge “associada à dinâmica da Guerra Civil de Espanha”, explica o historiador António Costa Pinto, especialista na investigação do Estado Novo: “É a partir daqui que se organizam as brigadas dos Viriatos”, voluntários portugueses que combateram ao lado das forças Nacionalistas.
Recorde-se que muitos portugueses estiveram do lado dos Republicanos, em combate ou noutro tipo de apoios ao Governo saído das eleições. O médico, político e escritor Jaime Cortesão, foi um dos intelectuais que participou em julho de 1937 no II Congresso Internacional de Escritores Antifascistas em Espanha.
Lisboa corta com o Governo de Madrid
Na sexta-feira, 23 de outubro de 1936, o Governo de Lisboa suspende relações diplomáticas com o Governo republicano que ainda estava em Madrid. Nesse sábado, a União Nacional promove uma manifestação de apoio ao corte de relações dipomáticas com os republicanos eleitos no país vizinho.
No início de dezembro, dia 5, o Governo britânico tenta novamente que Lisboa adira à formalização da proposta de “não intervenção” na guerra de Espanha, que implica a recusa de venda de armas a Republicanos e Nacionalistas. Salazar — que assumira a tutela direta dos Negócios Estrangeiros em novembro— recusa.
Os ‘nãos’ à não intervenção sucedem-se e, a 4 de janeiro de 1937, Salazar rejeita a proposta do embaixador britânico de permitir uma fiscalização internacional das fronteiras terrestres e portos portugueses (para impedir a passagem de armas para as tropas Nacionalistas).
O reconhecimento — ainda que informal — da autoridade de Franco surge a 7 de dezembro com a nomeação de Pedro Theotónio Pereira, até aí ministro da Indústria, para o posto de agente especial junto de Franco. Pedro Teotónio Pereira parte para Salamanca a 18 de janeiro de 1938. Franco recebe-o a 1 de fevereiro.
Três dias depois, Nicolau Franco, irmão do comandante das tropas Nacionalistas, apresenta-se em Lisboa como representante desta força. Um ano depois, o ministério dos Negócios Estrangeiros entrega a proposta do futuro pacto de amizade e não-agressão a Nicolau Franco.
Com o Governo Republicano instalado em Valência (a zona Este próxima do Mediterrâneo foi a última a cair), Salazar assina o “Pacto Ibérico” com o representante de Franco em Lisboa. A Guerra Civil ainda não tinha chegado ao fim quando o nosso mais antigo aliado, o Reino Unido, reconheceu o Governo nacionalista.
No sábado, 1 de abril de 1939, o Presidente da República Óscar Carmona, felicita Franco pelo final da Guerra. Cinco meses depois, a 1 de setembro, começa a II Guerra Mundial.
Três dias depois de Franco anunciar que vencera a Guerra Civil [1 de abril de 1939], chegam a Madrid 125 dos 300 camiões repletos de víveres (2 toneladas em cada camião) que Salazar e Carmona enviaram para o vitorioso Francisco Franco e os “irmãos espanhóis”.
Dois homens diferentes na sua vida privada, mas unidos no apego à ditadura e à defesa dos regimes totalitários que perdurariam, na península ibérica, até à década de 1970 do século XX.