Internacional

Brexit. As primeiras páginas no dia a seguir à vitórica pírrica de Boris Johnson

As primeiras páginas dos jornais britânicos desta quarta-feira também podiam ser as primeiras páginas de todos os votos contra os acordos de Theresa May que aconteceram no parlamento, podiam ser sobre a Lei Benn ou a Lei Letwin porque, para uma fatia considerável da imprensa inglesa, todos esses momentos representaram impedimentos à concretização da vontade do povo, expressa em referendo. Do outro lado, jornais como o “Daily Telegraph”, o “Financial Times” ou o “The Times” mostram uma visão mais sóbria e explicativa dos acontecimentos

As primeiras páginas de alguns jornais britânicos desta quarta-feira, 23 de outubro, não poupam críticas aos deputados que atrasaram, mais uma vez, a aprovação do Brexit. O suspeitos são os de sempre: “Daily Mail”, “Daily Express”, “The Sun”, a ala direita da imprensa, que carrega nos tons da crítica. “Confiem neste bando para transformar um triunfo num desastre”, escreve o “Daily Mail”.

Já o “Daily Express” diz que a oportunidade esteve perto, mas os deputados estragaram tudo: “Acordo histórico... mas os deputados estragaram tudo com mais manobras”.

O “Daily Mirror”, mais associado aos trabalhistas, faz dos deputados os sofredores: “O horror do Brexit para os MP” (members of Parliament), é a manchete do diário. Os jornais de referência optam por formas mais comedidas para chamarem a atenção dos seus leitores, mas o Brexit ocupa quase toda a primeira página em quase todos os jornais.

O “The Times”, que quase sempre opta por ter uma história de investigação na primeira página, é a excepção: a manchete é o anúncio de um novo medicamento para atrasar a progressão do Alzheimer e ao lado aparece Boris, sentado com os braços cruzados, numa pose algo frustrada. “PM frustrado enfrenta mais um adiamento ao Brexit”, lê-se na primeira página.

O “The Guardian”, claramente mais à esquerda no espectro político, diz: “Parlamento põe um travão no corrida de Jonhson ao Brexit”.

O “Daily Telegraph”, também conservador mas não exatamente com a “potência” de um “Daily Mail”, escolhe uma frase tirada do debate, esta tarde, na Câmara dos Comuns: “O Brexit está no purgatório” com uma grande fotografia da câmara baixa do Parlamento britânico.

O distanciamento político dos jornais no Reino Unido pode medir-se com fósforos, e o pendor para a esquerda ou para a direita não é uma realidade assim tão estranha como pode parecer para um leitor português. Há, sim, quem considere que é só mais um fator a juntar aos vários que trouxeram o país até esta bifurcação na qual metade do país quer um caminho e metade quer outro.

Vários analistas de discurso e linguagem dão exemplos de manchetes de jornais britânicos quando falam da tendência mundial que existe no debate político para extremar o discurso. Nas últimas semanas, quando começou a parecer mais certa a existência de um novo acordo, o “Sunday Express” titulou “Porque é que não nos deixam sair?” e o “Daily Express”, esta segunda-feira, colocou em manchete a frase: “Como se atrevem? Mais uma trama para acabar com o Brexit”.

Outra página célebre dos tempos do Brexit, não pelas melhores razões, é, por exemplo, a primeira página do “Daily Mail” de 4 de novembro de 2016, quando três juízes britânicos decidiram que deviam ser o Parlamento, e não o Governo, a autorizar o Brexit, desencadeando o novelo em que hoje nos encontramos. “Traidores do Povo” foi a manchete desse dia.