Internacional

O número 20 e outros factos sobre o ‘impeachment’ de Trump

Como funciona afinal o ‘impeachment’ de Donald Trump? Há um número-chave - 20. E este é um processo que tanto pode fragilizar como fortalecer o atual presidente dos Estados Unidos. Pedro Cordeiro, editor de internacional do Expresso, explica as contradições, os factos, a história e o processo

Drew Angerer

Há uma longa distância entre o anúncio de um processo de impeachment de um Presidente dos Estados Unidos da América e a sua destituição. Que é como quem diz que não há garantia de que a abertura formal de um inquérito, terça-feira, conduza à expulsão de Donald Trump da Casa Branca.

O impeachment é um julgamento político. Serve para o Congresso, ramo legislativo da democracia americana, declarar que o chefe de Estado e de Governo não tem condições para se manter no cargo. Mas tal exige a aprovação das duas câmaras (Câmara dos Representantes e Senado).

“O Presidente, vice-presidente e todos os titulares de cargos públicos dos Estados Unidos serão destituídos dos seus cargos quando sujeitos a impeachment ou condenados por traição, suborno ou outros crimes e contraordenações graves”, reza a Constituição. O que deixa algum espaço à interpretação.

Investigação em curso

É na Câmara dos Representantes que tudo começa. A líder da câmara baixa, Nancy Pelosi, abriu um inquérito em que os seus membros determinarão se Trump cometeu “crimes e contraordenações” que justifiquem o seu afastamento.

Na prática, seis comissões parlamentares que já estavam a investigar o Presidente — por infrações que vão de usar o cargo para obter benefícios pessoais a violação de leis de financiamento de campanhas, passando por desvio de fundos — vão passar a fazê-lo para efeitos de um processo de impeachment. Se concluírem que se justifica, a comissão de Justiça emitirá artigos de impeachment, que serão sujeitos a votação do plenário da Câmara dos Representantes.

A gota de água que convenceu Pelosi a apoiar o impeachment, que outros membros do Partido Democrata já defendiam, foi a revelação de que Trump terá travado um pacote de ajuda à Ucrânia dias antes de falar ao telefone com o Presidente desse país, Volodymyr Zelenski, a quem terá pedido que investigasse informações comprometedoras para Joe Biden, que foi vice-presidente de Barack Obama e é hoje candidato à nomeação democrata para as presidenciais de 2020 e, logo, potencial adversário na reeleição de Trump. Em causa estão suspeitas de corrupção, infundadas, contra Biden e o seu filho Hunter.

Para muitos democratas, escreve “The New York Times”, bastaria a pressão sobre Zelenski para justificar o impeachment. Fazer depender dela o pacote de ajuda seria ainda mais grave. Sete congressistas escreveram nas páginas de “The Washington Post”: “Se essas alegações forem verdade, cremos que tais ações representam uma infração digna de impeachment”. Os Estados Unidos têm apoiado a Ucrânia no combate aos separatistas pró-russos na parte leste do país. Alguns congressistas republicanos também exprimiram estranheza pelo gesto de Trump.

A grande maioria da bancada democrata na Câmara dos Representantes apoia o impeachment. O processo pode durar alguns meses até à votação e implicará ouvir testemunhas. A comissão de Informações afirma que a fonte que denunciou a manobra ucraniana está disposta a depor. Trump prometeu revelar uma transcrição do telefonema com Zelenski, mas o seu advogado, Rudolph Giuliani, deu indicação contrária.

Julgamento no Senado: o número 20

Se o processo passar na Câmara, sobe ao Senado, que promove um julgamento conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Membros da Câmara dos Representantes servem de acusação, os 100 senadores são os jurados e o Presidente tem direito a defender-se. A votação final exige dois terços para fazer cair o inquilino da Casa Branca.

Note-se que, enquanto a oposição tem maioria na câmara baixa (235 democratas, 198 republicanos, um independente e um lugar vago por demissão), o Senado é dominado pelos republicanos (53-45, com dois independentes pró-democratas), companheiros de partido de Trump.

Mesmo presumindo que os senadores democratas e independentes apoiassem a demissão do Presidente, é difícil imaginar 20 republicanos a juntarem-se-lhes. O panorama poderá mudar se houver revelações escandalosas sobre ações do Presidente que façam ‘virar’ alguns.

Dois escaparam, um capitulou

Por duas vezes na História a Câmara aprovou o ‘impeachment’ do Presidente. Os alvos foram Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, mas ambos foram salvos pelo Senado. Richard Nixon demitiu-se em 1974 sob ameaça de exoneração, com o impeachment já aprovado pela comissão de Justiça da Câmara dos Representantes e perante a alta probabilidade de ser confirmado pelo plenário.

Um impeachment pela câmara baixa não impediria Trump de concorrer às presidenciais de 2020, embora pudesse prejudicá-lo politicamente. Quanto a uma destituição pelo Senado, ela faria do o vice-presidente Mike Pence o novo Presidente. Caberia a este órgão decidir sobre a desqualificação ou não de Trump para voltar a ocupar o cargo (são questões distintas).

Em contrapartida, uma tentativa falhada de impeachment poderia fortalecer a recandidatura de Trump e prejudicar o Partido Democrata: para o ano está em jogo nas urnas a Casa Branca mas também a totalidade da Câmara dos Representantes e um terço do Senado.