Ora desacreditado ora desautorizado, quase sempre despenteado, Boris dá pelo primeiro nome por que toda a gente o conhece. Muitos imaginá-lo-iam no seu grupo de amigos, um cartão de visita poderoso numa era que acentua o descrédito na classe política. Muito se escreveu sobre Alexander Boris de Pfeffel Johnson e, da miscelânea de elogios e apupos ao favorito na corrida ao lugar de líder conservador (e, logo, primeiro-ministro), sobressaem palavras como inteligente, ambicioso, convencido, enérgico, mentiroso.
O imperador dos media Rupert Murdoch afirmou ao jornalista Michael Wolff que Boris "é um tipo sem grandes crenças ou valores, que diz qualquer coisa para agradar à multidão" e um "desorganizado que trabalha pouco". Andrew Gimson, seu biógrafo, transmite ao Expresso outra ideia: "É um jornalista dotado, sabe quando ceder terreno ou mudar de direção, percebe quando a história muda e é capaz de ler as pessoas. Tem energia e personalidade de sobra, o que lhe permite adotar estratégias que outros poderiam considerar perigosas".
Martin Fletcher, analista político da revista "New Statesman", também se mostra crítico. Garante ao Expresso que "se Boris for eleito, teremos o primeiro-ministro menos qualificado da história do Reino Unido", a quem faltam "todas as qualidades de um governante e sobram todas as outras: pouco leal, mentiroso compulsivo, tem poucas ideias próprias e tudo o que fez como ministro dos Negócios Estrangeiros [2016-18] ou mayor de Londres [2008-16] foram projetos de vaidade com fins políticos".
Grimson, autor de "Boris: The Adventures of Boris Johnson", discorda: "É muito flexível e não receia dar espaço a pessoas brilhantes em pastas sobre as quais nada entende". O biografado ter-lhe-á dito, em Westminster: "Olha, se é para brincarmos um bocado, tudo bem, mas qualquer tentativa de contar a verdade seria completamente intolerável".
Um político à prova de gafe
Boris é um resistente, personalidade televisiva que se tornou deputado (2001-08 e desde 2015) apesar de gafes e escândalos extraconjugais, autarca conservador querido de uma Londres progressista, jornalista apanhado a inventar citações que chegou a editor do jornal "The Daily Telegraph" e da revista "The Spectator" e, numa revelação recente da irmã europeísta Rachel Johnson, filho de pais ausentes: Stanley no Banco Central Europeu, em Bruxelas, Charlotte conduzida pela depressão a comportamentos obsessivo-compulsivos.
Até aos oito anos, foi quase surdo.
Sonia Purnell, autora de "Just Boris" (subtítulo: "Uma História de Ambição Loura"), admite que possa ser essa a causa de comportamentos insólitos e rótulos de "aluado", "impulsivo" ou "desatento": "Há momentos em que parece retirar-se para o seu velho mundo. Quando regressa à realidade, revira os olhos, desalinha o cabelo e emite sons como 'aaargh' ou 'grrrrr', como se tudo fosse confuso".
Desabrochou tarde, mas entre pares: primeiro na prestigiada escola de Eton, depois em Oxford, onde estudou Literatura Clássica. Durante a infância Boris viveu em cinco cidades, cinco bairros de Londres, uma vila na região de Somerset, três estados dos EUA, três países e dois continentes. Nasceu em Nova Iorque, a 19 de junho de 1964, com sangue turco, francês e alemão. O seu bisavô, Ali Kemal, foi ministro do Interior no Império Otomano. Mas se Boris parece, hoje, personagem de cinema - pense-se no político populista do sul dos Estados Unidos encarnado por Sean Penn em "O caminho do poder" (All the King's men) -, o seu nascimento nada tem de dourado. A mãe deu-o à luz sozinha, numa clínica barata. Boris chama-se Boris porque, numa viagem ao México de autocarro, um magnata russo homónimo decidiu pagar o regresso do casal a Nova Iorque, em avião, para evitar que a gestante fizesse mais 20 horas de estrada.
Há muito apontado como futuro líder conservador, não avançou em 2016 (quando o referendo fizera dele estrela), mas ressurge com força. Avisou os companheiros de que adiar o 'Brexit' para lá de 31 de outubro deixaria o partido "à beira da extinção".
"Pensar que se tornará moderado se for eleito é um conto de fadas. Não está habituado a responsabilidades e a UE não deu sinais de que vá renegociar.
Boris optará pela saída sem acordo e vai ser responsável pelo colapso económico do país e talvez pelo dos conservadores. Era bom que o medo de perder popularidade o travasse, mas não creio", lastima Fletcher.
Não falta quem culpe (ou elogie) Boris por ter promovido o euroceticismo (até à custa de falsidades que o levaram a tribunal, como os 350 milhões de libras semanais que viriam para o sistema de saúde em caso de Brexit; ontem livrou-se dessa acusação, após recurso), mas ele só regou uma semente há muito plantada no Reino. Equiparou os esforços unificadores da UE aos empreendidos por Hitler e Napoleão. Teceu comentários racistas contra negros, elogiou colonizadores brancos, previu que Sirte, na Líbia, "será um Dubai assim que limpem os corpos" e, sobre a burqa, disse não entender "porque é que alguém decide andar na rua com aspeto de marco do correio".
Só que "Boris nem é eurocético, foi tudo um cálculo para suceder a David Cameron. Agora cola-se à extrema-direita para evitar a fuga de eleitores para o Partido do 'Brexit', de Nigel Farage", acrescenta o analista da "New Statesman".
Conta-se que em 2016, quando declarou o apoio ao 'Brexit' num artigo de jornal, tinha outro texto pronto a defender a permanência na UE.
Regras favorecem Boris
As novas regras para a eleição do líder conservador beneficiam quem já é popular. Entre ontem e segunda-feira os candidatos têm de conseguir o primeiro requisito: que oito deputados os proponham. O grupo parlamentar fará, a partir do dia 13, sucessivas votações em que são eliminados o menos votado e os que tiverem menos de 17 votos na primeira votação ou menos de 33 nas seguintes. O processo repete-se até ficarem só dois, cabendo a escolha final aos cerca de 120 mil militantes conservadores. Até fim de julho haverá um vencedor.
As sondagens mostram que 97% dos britânicos sabem quem é Boris, o conservador mais popular (31% gostam dele). Já tem o apoio de 40 deputados.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, e do Ambiente, Michael Gove, contam com cerca de 30 cada.
Se eleito, Boris herdará um tesouro de latão. Nas eleições locais de maio o partido perdeu 1300 vereadores e nas europeias ficou em quinto lugar, com 8,8%. "A haver legislativas os conservadores vão ser aniquilados. O partido está num enorme dilema: se for para a direita perde o centro e vice-versa. Mas nem é certo que quem passou para o lado de Farage vá acreditar nos conservadores só por terem Boris. Além disso, o Parlamento continua pouco inclinado para um 'Brexit' sem acordo", afirma Fletcher, que conclui em tom dramático: "No momento mais crucial desde a II Guerra Mundial, vamos ter um primeiro-ministro escolhido por um grupo maioritariamente formado por homens abastados, brancos e com idade média elevada. Isto não é uma representação justa dos conservadores, muito menos do país."