Internacional

Porque não voltámos à Lua?

Este texto tem como ponto de partida uma resposta caseira, aqui da redação: “Porque não se passa nada, é um deserto…” A NASA não regressa àquele satélite natural da Terra desde dezembro de 1972 e a explicação não anda assim tão longe...

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- Quando voltarmos à Lua…
- Voltar…
- Pronto, és daqueles que não acreditam que fomos à Lua?
- …
- …
- Nem é isso. Só tenho uma pergunta: porque não voltaram 50 anos depois?
- Porque não se passa nada, é um deserto…
- Voltamos quando houver centros comerciais.
- Eh, eh, eh. Isso.
- …
- Agora a sério, porque não voltámos?

Em vésperas de se cumprirem 50 anos desde a aterragem, chegámos aqui. O assunto nem é novo, naturalmente, mas renovemos o interesse, já que está mais do que anunciado que a venturosa viagem até Marte terá um regresso bónus ao satélite natural da Terra. Levantando o véu: aquele “porque não se passa nada, é um deserto” não está assim tão longe da verdade.

Esta coisa de andar com a cabeça na Lua teve a sua versão mais séria com John F. Kennedy, que, em maio de 1961, traçou a meta para os Estados Unidos: “Acredito que esta nação deve comprometer-se a conseguir o objetivo, antes de terminar esta década, de colocar um homem na Lua e trazê-lo de volta em segurança para Terra”. Dois anos e meio depois, as soluções finitas que trazem a pólvora e as armas roubaram-lhe o gosto de ver acontecer o que desafiou.

Não se tratava só de saciar a curiosidade, de descobrir o desconhecido. Era político. Em plena ‘Guerra Fria’, uma corrida ao que parecia ser inalcançável engordaria, em caso de sucesso, o orgulho nacional. A revolução começou sete anos depois do assassinato do ex-Presidente em Dallas. Neil Armstrong foi o primeiro a calcar aquele território misterioso. Entre julho de 1969 e dezembro 1972, a NASA enviou seis missões Apollo à Lua. Uma dúzia de astronautas caminharam naquele lugar sem jurisdição, resgataram quase 400 quilos de matéria lunar e espetaram, a quase 385 mil quilómetros da Terra, uma bandeira dos Estados Unidos.

Roberto Machado Noa

“Enviar uma nave tripulada à Lua era extremamente caro e, realmente, não há uma explicação verdadeiramente científica para sustentá-la”, disse à BBC, em dezembro de 2017, Michael Rich, professor de Astronomia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Com a tal corrida a dois contra a URSS conquistada, ficava difícil justificar tamanho esforço financeiro. “Não havia justificação científica ou política para regressar”, reforçou Rich.

No fundo, é um dinheirão levar o homem de volta à Lua e o que se retirou daquelas viagens espaciais, cientificamente, não foi assim tão importante. Convencer o Congresso a aprovar tais robustos orçamentos tornou-se numa missão impossível. A evolução do orçamento da NASA, aliás, é ilustrativo: na década de 60, conta este artigo do “El País”, aquela agência contava com 4,4% do orçamento federal dos Estados Unidos; em 1973, uns meses depois da última missão Apollo, era apenas de 1,3%; em 2015, caiu para 0,5%.

Albert Garnelis

Esmoreceu o interesse científico e a sede da competição, embora nunca se tenha abandonado verdadeiramente a Lua, com outro tipo de missões. Mas algumas ideias e projetos governamentais e privados vão emergindo, tornando novamente sedutora a ideia de um regresso à Lua. Instalar bases permanentes, construir colónias de homens e mulheres para desenvolver atividades científicas, dar gás ao turismo espacial (que já não parece assim tão descabido), são algumas das ideias que vão sendo magicadas.

E depois há uma outra ideia, a do diretor-geral da Agência Espacial Europeia. “Uma das minhas ideias é ir à Lua, do lado escuro, e colocar robôs e seres humanos numa estação permanente, e não levar tudo o que é necessário daqui, mas usar material lunar e construir lá, por exemplo, um grande telescópio”, atirou em 2015 Jan Woerner, pouco depois de ser nomeado diretor-geral da AEE, citado no artigo do “El País”.

“Fly me to the moon”

Voltando ao início da conversa, montaram-se algumas narrativas que visavam descredibilizar a missão Apollo nos anos 60 e 70, construindo teorias da conspiração. Ora porque as imagens foram manipuladas num estúdio ou porque a bandeira se agita com o vento ou ainda, como se escutou na redação, que razão haveria então para nunca ter acontecido um regresso. Afinal, o avanço tecnológico de 2019 deve ganhar por goleada ao de 1969.

“Há muitos anos que temos a tecnologia necessária para regressar e há questões científicas importantíssimas ainda por estudar”, disse à Revista E Pedro Machado, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Se não voltámos desde a década de 70, foi por razões meramente políticas. O prazo é curto, mas desde que haja investimento é exequível. Construir uma missão como a Agência Espacial Europeia fez com o envio da sonda ‘Rosetta’, até um cometa que orbita entre a Terra e Júpiter e ao qual chegou 10 anos depois de ser enviada da Guiana Francesa, parece-me bastante mais difícil do que ir à Lua.”

As perguntas, teorias e dúvidas ameaçam dissolver-se num outro momento histórico: a NASA e o Governo norte-americano anunciaram recentemente um regresso à Lua, com a missão Ártemis, em 2024. A nave Orion será lançada da Terra pelo foguetão SLS. Donald Trump injetou uma fatia importante de dinheiro ao orçamento da NASA e promete um regresso “em grande” ao espaço.