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Hong Kong. Chefe do Executivo diz que projeto de lei de extradição para a China “está morto” mas não o retira

“Suspendemo-lo e reiteramos que quando a legislatura atual terminar, ou seja, em julho do próximo ano, terá automaticamente expirado”, anunciou Carrie Lam, que rejeitou demitir-se e fazer uma investigação independente à atuação policial durante os protestos. A governante só parece ter cedido num ponto: já concorda com discussões públicas e não à porta fechada

Carrie Lam
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A chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, disse esta terça-feira que o polémico projeto de lei de extradição para a China “está morto” mas não o retirou completamente. A governante afirmou estar “de coração partido” com os confrontos provocados pela proposta de lei, que descreveu como um “fracasso total”.

O discurso de Lam surge na sequência de semanas de protestos no que representou o maior desafio da região administrativa especial ao Governo de Pequim em décadas. Milhões de pessoas foram para as ruas em protesto contra um projeto de lei que permitiria a extradição de suspeitos para julgamento na China continental.

Na semana passada, por ocasião do 22º aniversário da transferência da antiga colónia britânica para a China, centenas de manifestantes forçaram a entrada no Conselho Legislativo (Parlamento) e provocaram vários danos materiais, incluindo computadores partidos e paredes cobertas de tinta com mensagens contra a polícia, o Governo e o projeto de lei.

Parlamento de Hong Kong tomado e vandalizado por manifestantes, a 1 de julho
RITCHIE B. TONGO / EPA

Naquela data comemorativa, Angeline Chan, advogada em Hong Kong, contou ao Expresso que “o projeto de lei que o Governo apresentou carece de muitas das salvaguardas habituais dos acordos de extradição”. “Não há escrutínio pelo Conselho Legislativo nem salvaguardas por razões humanitárias”, exemplificava. “Tendo em conta a forma como o sistema chinês opera, a taxa de condenação acima dos 90% e o histórico chinês de uso do sistema criminal para oprimir pessoas com opiniões divergentes, o povo de Hong Kong está extremamente preocupado”, reforçou.

Proposta está “a chegar ao fim da sua vida”

À semelhança do que fizera no mês passado, quando se limitou a suspender o avanço legislativo da proposta, Lam voltou esta terça-feira a não a retirar, usando, em vez disso, uma expressão cantonesa para dizer que a proposta estava “a chegar ao fim da sua vida”, conta o jornal inglês “The Guardian”.

“O que eu disse hoje não é muito diferente do [que disse] antes mas talvez as pessoas queiram ouvir uma resposta muito firme. O projeto de lei morreu verdadeiramente. Por isso, as pessoas não precisam de se preocupar com novas discussões sobre o projeto de lei na legislatura atual. Suspendemo-lo e reiteramos que quando a legislatura atual terminar, ou seja, em julho do próximo ano, terá automaticamente expirado”, acrescentou.

Lam não se demite mas cede a discussões públicas

As reações às novas declarações de Lam continuam a ser marcadas pelo ceticismo. A governante anunciou que não renunciaria ao cargo, outra exigência dos manifestantes que a consideram uma lacaia do Governo de Pequim. E também considerou desnecessária uma investigação independente às alegadas irregularidades da atuação policial. Os manifestantes acusam as autoridades de usarem força excessiva na repressão dos protestos.

Lam parece ter feito, ainda assim, uma cedência aos manifestantes ao concordar com discussões públicas. Anteriormente, só havia concordado com negociações à porta fechada.

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Modelo “um país, dois sistemas” em causa

A 1 de julho de 1997, Hong Kong voltou à China sob o modelo “um país, dois sistemas”, que prevê um conjunto de liberdades, incluindo a liberdade de protesto e um sistema judicial independente, que não são gozadas na China continental.

Advogados e grupos de defesa dos direitos humanos alegam que o sistema de justiça na China é marcado pela tortura, confissões forçadas e detenções arbitrárias. Pequim nega interferências mas, para muitos cidadãos de Hong Kong, o projeto de lei é o mais recente passo em direção ao controlo continental.