Internacional

Hong Kong. Protesto, encenação ou uma grande estupidez?

A tradicional marcha pacífica de 1 de julho em Hong Kong terminou com uma violenta invasão do Parlamento. Ao Expresso, um cidadão do território levanta suspeitas de que todo o caos tenha sido orientado para que os manifestantes surjam nas imagens como “desordeiros”

Momento em que a entrada do Conselho Legislativo (Parlamento) de Hong Kong está prestes a ceder à fúria de um grupo de manifestantes
Anthony Kwan / Getty Images

“Acabei de chegar da zona de Admiralty. Passei lá o dia. É tão triste que esta seja a forma de governar na minha pátria: dividir para reinar.” Evan Fowler vive em Londres mas está, por estes dias, no seu Hong Kong natal. Sabia que o 1 de julho seria um dia agitado, como sempre acontece no território desde 1997. Organizado pela Frente Civil para os Direitos Humanos, sai à rua um protesto contra a transferência de Hong Kong para a República Popular da China e contra a crescente influência de Pequim sobre um território que, durante 50 anos, é suposto conservar alguma autonomia.

Este ano, o protesto descambou e terminou com uma violenta — e inédita — invasão ao Parlamento de Hong Kong (LegCo, abreviatura de Conselho Legislativo) com a polícia antimotim dentro do edifício a revelar grande passividade. “Suspeito que isto tenha sido um evento encenado”, diz Evan Fowler ao Expresso.

“As pessoas que partiram o vidro [da entrada do edifício] eram desconhecidas dos manifestantes e dos jornalistas que têm coberto os protestos, e desapareceram logo a seguir. Suspeito fortemente que as imagens [decorrentes da invasão], e que são provocadoras em relação à China, foram orientadas, senão mesmo organizadas, para retirar apoio aos protestos populares”, diz.

Dentro do Parlamento, os manifestantes espalharam o caos, destruindo tudo o que lhes aparecia pela frente. Arrancaram retratos, grafitaram as paredes e chegaram a estender uma bandeira colonial britânica — que não tem sido um símbolo das manifestações em Hong Kong — sobre a secretária do presidente da Assembleia.

“Era incrível ver o que se passava dentro do Parlamento. Grafitavam as paredes, partiam tudo”, diz ao Expresso um fotógrafo europeu que acompanhou a invasão do Parlamento. “Com isto, o movimento perdeu muita legitimidade.”

No interior do Parlamento, um manifestante dita exigências junto a uma parede e ao símbolo de Hong Kong grafitados
Anthony Kwan / Getty Images

Uma tarja com exigências foi erguida junto à cadeira do presidente: abolição do sistema eleitoral antidemocrático e eleição do chefe do Executivo por sufrágio universal. Slogans de manifestações anteriores, nomeadamente dos protestos pró-democracia de 2014 (Movimento dos Guarda-chuvas), estas não são as exigências que têm motivado, desde 9 de junho, os gigantescos protestos nas ruas de Hong Kong, mas antes a nova e polémica lei da extradição.

“Isto é uma completa armadilha. Lamento que as pessoas tenham caído nela”, dizia, dentro do Parlamento, o deputado pró-democracia Fernando Cheung, acrescentando que a polícia podia ter facilmente impedido a invasão.

Também dentro da câmara dos deputados, um produtor da CNN, James Griffiths, ia descrevendo no Twitter o caos que se vivia. “Começo a ver discussões entre os manifestantes sobre o que fazer a seguir. Alguns querem abandonar completamente a zona do LegCo, outros querem ficar. O receio é que a minoria que fique vá enfrentar grandes consequências legais. Outro problema de um protesto sem liderança.”

Não deixar rasto digital em dia de protesto

Contrariamente aos protestos pró-democracia de 2014, “não há qualquer grupo ou organização a liderar estas manifestações”, diz Evan Fowler. “Muitas pessoas têm medo de ser presas”, como aconteceu aos líderes dos protestos de há cinco anos.

As manifestações são convocadas através das redes sociais e de plataformas de envio de mensagens instantâneas como o WhatsApp ou o Telegram, onde com frequência se fazem votações em tempo real sobre o que fazer a seguir.

No dia dos protestos, muitos participantes evitam usar o passe de metro, preferindo comprar bilhete nas máquinas ou então andar quilómetros a pé, para evitar deixar rasto digital. Evita-se também usar multibancos, recorre-se a telemóveis antigos e a cartões Sim acabados de comprar. Não falta também quem se movimente através de várias contas na Internet.

Polícia demorou muito a intervir

Esta segunda-feira, era já noite em Hong Kong quando a polícia “varreu” a sede do Parlamento. A maioria dos manifestantes já tinha abandonado o local. “Os manifestantes estavam preparados para abandonar o local, mas a polícia limpou a área à volta do LegCo excecionalmente rápido, com gás lacrimogéneo e bastonadas. O que levanta ainda mais perguntas sobre o porquê de hoje terem esperado tanto tempo para agir?”, questionou Griffiths.

A leitura dos acontecimentos que Evan Fowler faz vai no mesmo sentido suspeito. “Foi tudo muito conveniente. Tudo jogou a favor do guião do Governo que retrata protestos legítimos como um motim. Tudo jogou a favor da divisão da comunidade”, com as gerações mais velhas a insurgirem-se contra a “estupidez típica da juventude” que os transforma em “desordeiros”.

Reagindo aos acontecimentos, Carrie Lam, a contestada chefe do Executivo de Hong Kong, condenou o “uso da violência extrema” e precisamente “o vandalismo por parte dos manifestantes que invadiram o edifício do LegCo”, disse. “Nada é mais importante do que o Estado de direito em Hong Kong.” Carrie Lam falou numa conferência de imprensa realizada às 21 horas de Portugal Continental – eram quatro da manhã em Hong Kong. Horas depois, Hong Kong acordava sem grandes explicações para o que se passou.