Internacional

“Acabamos anestesiados quando vemos algo assim.” Jornalista conta a história do afogamento no Rio Grande

Julia Le Duc soube do alerta dado à polícia e desceu até à margem do rio, onde Tania chorava ainda e gritava, depois de o marido e a filha terem sido arrastados pela corrente, quando tentavam chegar a território norte-americano. Acompanhou o caso e fotografou os corpos no dia seguinte: Alguma coisa “devia” mudar

A imagem “fará mudar alguma coisa”? “Devia.” Julia Le Duc, fotojornalista que fotografou os corpos do pai e da bebé que morreram afogados no rio Grande ao tentar chegar a território norte-americano, foi entrevistada pelo “The Guardian” e contou como ficou impressionada com a história da família salvadorenha. “Sou repórter de crimes há muitos anos e vi muitos corpos - muitos afogamentos também. Mas acabamos anestesiados quando vemos algo assim. Podíamos ver como o pai colocou a filha dentro da t-shirt para que a corrente não a afastasse de si...”, desabafou com o jornal britânico.

Julia Le Duc, jornalista do “La Jornada”, na cidade mexicana de Matamoros, relatou também mais pormenores sobre a tragédia e de como acabou na margem do rio, cobrindo a notícia. Segundo ela, ao chegar ao conhecimento do jornal o alerta recebido pela polícia no domingo, tomou a direção do rio, onde, na margem, Tania Vanessa Ávalos - a mãe da bebé - gritava que a corrente lhe levara a filha.

Só depois soube o seu nome e as circunstâncias que levaram a família - ela, o marido e Valeria - até ao México, onde explicou terem chegado há dois meses, na esperança de a partir deste país conseguirem asilo nos Estados Unidos.

Tania precisou também que Tapachula fora a sua primeira paragem. Pediram depois um visto humanitário, o que lhes garantia a possibilidade de trabalhar durante um ano do México, até conseguirem luz verde para o destino final.

A Matamoros o casal chegara no domingo de manhã, descendo do autocarro que aí os levou para imediatamente procurarem os serviços de imigração norte-americanos. Mas era fim-de-semana e o gabinete estava encerrado, havendo já muita gente numa fila de espera. Le Duc contou como, “até há pouco tempo” a lista de espera incluía 1800 pessoas. “Agora desceu para 300 pessoas”, disse, o que ainda assim os obrigaria a ajustar a expetativa ao ritmo lento dos poucos ‘guichets’ de atendimento disponíveis durante a semana.

O casal voltou para trás. E foi quando passavam na ponte (internacional), de onde a aparente calma do rio era visível, que Óscar Martínez decidiu: “É aqui que vamos atravessar”.

Segundo a jornalista, o homem terá conseguido atravessar com a menina (não tinha ainda dois anos) e deixou-o já no lado americano. Voltou então para ir buscar Tania, mas a bebé seguiu-o, entrando no rio, pelo que teve de a ir salvar. Foi então que a corrente levou ambos, contou Julia Le Duc.

Os corpos haveriam de ser encontrados apenas na segunda-feira, altura em que a jornalista fez as fotos, antes de os cadáveres serem cobertos e levados.

“Estas famílias não têm nada e arriscam tudo por uma vida melhor. Se episódios como este não nos fizerem pensar - se não sensibilizarem os nossos dirigentes - então a nossa sociedade está mesmo a seguir um mau caminho”, afirmou a fotojornalista.