Internacional

PSOE prefere governar a sós e negociar medida a medida

Vice-primeira-ministra Carmen Calvo não quer esquerdistas do Podemos no Executivo, como era desejo do líder deste partido, Pablo Iglesias. Falta, ainda assim, cerca de um mês para Espanha ter novo Governo, pelo que nenhuma via deve ser descartada

JuanJo Martin/EPA

Vencedor das eleições legislativas de domingo sem maioria absoluta, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda) inclina-se por governar a sós, indicou hoje a número dois do Executivo cessante, Carmen Calvo. A vice-primeira-minsitra de Pedro Sánchez disse à rádio SER que a linha de negociação caso a caso que dominou os dez meses dos socialistas no poder é para manter.

“Vamos tentar um Governo a sós, porque acreditamos que as pessoas nos entenderam muito bem como partido e como Governo”, afirmou a também ministra da Presidência, Assuntos Parlamentares e Igualdade. Calvo acredita que o PSOE tem “apoio mais do que suficiente para ser o leme” do barco da governação espanhola.

Estas declarações deitam água fria sobre as expectativas de coligação formal que o líder da aliança Unidas Podemos (esquerda populista) alimentou durante toda a campanha eleitoral. Pablo Iglesias mostrou-se, inclusive nos debates, disponível para entrar para o Executivo. “Sabemos perfeitamente que a UP nos ajudou muito e que nos reforça no sentido progressista, mas pensamos que temos de seguir nesta linha”, defendeu Calvo.

Da desilusão que tais palavras causam na UP deu conta Pilar Garrido, deputada basca eleita por essa formação. Os governos monocolores do bipartidarismo não fazem muito sentido”, afirmou, aludindo à reconfiguração do sistema partidário espanhol nos últimos cinco anos, com o surgimento do Podemos, Cidadãos e Vox. Um Executivo apenas socialista “pode levar a uma situação de bloqueio”, alertou na Radio Euskadi.

Prometendo um “Governo progressista”, a ministra Calvo sublinhou que “a política espanhola mudou muito” e que é preciso “respeitar toda a gente e ouvir toda a gente”. Ou seja, negociar, mas mais para investir Sánchez como primeiro-ministro (um processo que decorrerá no Parlamento dentro de cerca de um mês) do que para governar em coligação ao longo de toda uma legislatura. O secretário de organização do PSOE, José Luis Ábalos, foi menos contundente do que Calvo, referindo apenas a “ambição” socialista de governar sem parceiros fixos.

Centro político ou periferias nacionalistas

“Não há qualquer pressa”, disse à rádio pública RNE a senadora Cristina Narbona., presidente do PSOE. Preconizando “um Governo forte” e “um horizonte de estabilidade”, a política tampouco quis avançar quem serão os sócios preferenciais de Sánchez. Os resultados de domingo parecem apontar duas vias possíveis: pacto com a UP e partidos regionalistas e nacionalistas ou aproximação ao Cidadãos (C’s, centro-direita liberal).

Esta segunda opção, matematicamente mais estável (seriam 180 deputados), foi mutuamente descartada por Sánchez e pelo líder do C’s, Albert Rivera, no último debate e ao longo da campanha eleitoral. “Sánchez já tomou a decisão de governar com o Podemos e nós, de ir para a oposição”, dizia esta manhã o secretário-geral do C’s, José Manuel Villegas. Garante, contudo, que o partido dialogará com os socialistas.

Narbona atribuiu a Rivera a dificuldade ou “impossibilidade” de entendimento com o C’s: “Deu sinais claríssimos de rejeitar qualquer tipo aproximação ao PSOE”, lastimou a senadora eleita. Palavras que parecem corroboradas pela candidata do C’s à Câmara Municipal de Madrid, Begoña Villacís: “O C’s vai liderar a oposição nos próximos anos. Já tínhamos dito em campanha que esse pacto [PSOE-C’s] não iria acontecer em caso algum”.

PSOE fala segunda à tarde

O PSOE pronunciar-se-á formalmente, segunda-feira à tarde, sobre os resultados das eleições, após uma reunião da Comissão Executiva do partido, às 17h (16h em Portugal). Os socialistas elegeram 123 dos 350 deputados do Congresso, à frente do Partido Popular (PP, centro-direita, 66), C’s (57), UP (42), Vox (extrema-direita, 24), ERC (15), Juntos pela Catalunha (JxC, independentistas, 7), Partido Nacionalista Basco (PNV, 6), Euskal Herría Bildu (EHB, esquerda radical independentista basca, 4), Coligação Canária (CC, 2), Navarra Suma (N+, conservadora, 2), Compromís (esquerda nacionalista valenciana, 1) e Partido Regionalista da Cantábria (PRC, 1).

“Não devemos excluir nenhuma opção”, afirmou a presidente do PSOE. Pediu também responsabilidade à Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, independentista), no que parece ser um pedido pelo menos de abstenção quanto à investidura de Sánchez. Este deve ser proposto pelo rei Filipe VI como candidato a primeiro-ministro no final de maio. Deverá então expor um programa de Governo aos deputados. Numa primeira votação a investidura acontece caso haja maioria absoluta de votos a favor (176 dos 350 parlamentares). Em caso de insucesso, a votação é repetida passadas 48 horas, exigindo apenas maioria simples (mais votos a favor do que contra).

Se os C’s não estiverem a fim de um pacto, Sánchez poderá somar 175 deputados negociando com UP, PNV, CC, Compromís e PRC. Teria, ainda assim, de conseguir uma abstenção entre os demais partidos. A direita nacional (PP, Vox e N+) não é hipótese, pelo que o socialista teria de voltar-se para os nacionalistas mais duros: a EHB, herdeira do Batasuna, que era braço político dos terroristas da ETA; ou ERC e JxC, os separatistas catalães que o ajudaram a subir ao poder em 2018 mas causaram a sua queda passados dez meses, ao chumbarem, com a direita, o seu orçamento para 2019.

As exigências dos catalães para apoiarem as contas do Estado incluíam o direito à autodeterminação, contrário à Constituição espanhola. A manterem-se tais posições, não haverá acordo, já que domingo à noite o primeiro-ministro indicou a Lei Fundamental como único limite a qualquer negociação. Mas Sánchez poderá explorar divergências entre a ERC e o JxC. A primeira força reivindica-se de esquerda (até no nome), a outra esteve historicamente ligada ao empresariado e à igreja catalãs (chamava-se Convergência e União nos tempos do líder catalão Jordi Pujol). A ERC tem o seu líder, Oriol Junqueras, na cadeia; o da JxC, Carles Puigdemont, fugiu para a Bélgica.