Pedro Sánchez continuará a chefiar o Governo de Espanha. O triunfo incontestável do seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda), nas eleições legislativas deste domingo — com uma participação histórica de 75,79% do eleitorado — não lhe rendeu, contudo, a maioria parlamentar de 176 deputados. Facilita, contudo, a possibilidade de pactuar a investidura do primeiro-ministro sem grandes esforços.
A direita, que pagou um altíssimo preço pela sua fragmentação, não poderá constituir-se em força de bloqueio, devido aos péssimos resultados do Partido Popular (PP, centro-direita), que, com 65 deputados, perde 72 dos 137 assentos que conseguira nas eleições de 2016. Fica com 16,7% dos votos, pouco mais de metade dos do PSOE (28,7%), naquele que é o seu pior resultado de sempre.
O desaire deixa em sérios apertos o seu recente líder, Pablo Casado, cuja continuidade suscita dúvidas no seu círculo próximo. O bloco progressista, formado pelo PSOE e a aliança Unidas Podemos (UP, esquerda populista) soma 164 deputados, superando o trio das direitas: PP, Cidadãos (C’s, centro-direita liberal) e Vox (extrema-direita) acumulam 148 assentos.
Sánchez, perito em ressuscitar
Se há pouco mais de dois anos alguém tivesse dito a Sánchez ia vencer as eleições espanholas deste dia 28 com ampla margem sobre os seus adversários políticos, o político chamar-lhe-ia sem dúvida visionário. Estava nessa altura a assimilar uma humilhante derrota no conselho nacional do seu partido, que o obrigou a demitir-se de secretário-geral do PSOE. Recuperou o cargo numas dramáticas primárias em que enfrentou a líder socialista andaluza Susana Díaz.
Nesse curto intervalo Sánchez não só recuperou a liderança como conduziu o grupo parlamentar socialista por uma via desconhecida: a da moção de censura parlamentar com que derrotou o então primeiro-ministro Mariano Rajoy (PP). Forçado pelas circunstâncias — a retirada de apoio dos independentistas catalães ao projeto de orçamento de Estado para 2019 —, convocou estas eleições antecipadas, nas quais colheu o fruto do seu esforço e de uma campanha eleitoral moderada e inteligente. Beneficia ainda do cataclismo da direita, que, imersa em lutas fratricidas, não soube propor aos seus seguidores mais do que um desastre anunciado.
Ganhar as eleições sem maioria, num panorama tão fragmentado e em que o bipartidarismo histórico desapareceu, é uma conquista importante, mas não garante automaticamente a governabilidade. Sánchez terá de negociar um Executivo de coligação com a UP, cujo líder, Pablo Iglesias, exprimiu na noite eleitoral a sua preferência por esta opção. Está, pois, disposto a aceitar conversações com o PSOE, oferecendo-se como garantia de que será adotada em Espanha uma política de esquerda, com justiça social e combate à desigualdade.
Aliança alargada
Não bastará a Sánchez, contudo, gozar do apoio da UP. O líder socialista terá de recorrer ao Partido Nacionalista Basco, aos regionalistas valencianos do Compromisso, à Coligação Canária (CC) e ao Partido Regionalista da Cantábria (PRC) para se aproximar do número mágico de 176 deputados que votem a favor da sua investidura.
O ainda e futuro primeiro-ministro libertar-se-ia nesse caso da dependência dos independentistas catalães representados no Congresso dos Deputados. Não convém a Sánchez ter de negociar com estes partidos, embora nas últimas semanas a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) ter assumido uma linha política dialogante e moderada. Tão notável foi o resultado desta formação soberanista (cresce de 9 para 15 assentos) face aos rivais da lista Juntos pela Catalunha (JxC), dirigida pelo ex-presidente catalão autoexilado Carles Puigdemont, como a subida dos socialistas na região.
O C’s, que venceu as eleições autonómicas de dezembro de 2017, ficou em quinto lugar na Catalunha (atrás da ERC, PSOE, UP e JxC). Já o PP, seguindo a tónica nacional, ficou com apenas um deputado nesta região. No País Basco, nenhum dos três partidos da direita espanhola tem qualquer assento.
Vox aquém das previsões
Outra lição destas legislativas foi que o Vox não era tão feroz como se pintava a si mesmo. Favorecido nas sondagens por prognósticos de 12% dos votos e 32 assentos parlamentares, animado nas redes sociais com supostos estudos de opinião internos que lhe atribuíam 50 a 60 deputados no Congresso, o partido de Santiago Abascal ficou com 10 % dos sufrágios e 24 lugares. Isto dar-lhe-á presença mediática continuada e capacidade de crítica, mas escassíssima margem para intervir na atividade legislativa e governamental.
A um mês das eleições municipais, autonómicas e europeias de 26 de maio, o partido que mais urgentemente necessita de una catarse é o PP, que, no ensejo de refrear a perda de votos dos seus seguidores para o Vox, acabou por parecer-se demasiado à ultradireita defendida por Abascal. Não só perdeu 45% dos votos que recolheu nas últimas eleições como os seus pobres resultados o privaram de uma fonte de financiamento, procedente da subvenção estatal calculada através dos assentos e sufrágios. Sectores influentes do partido de Pablo Casado, que falaram ao Expresso sob anonimato, admitem que nas próximas horas surja a exigência de que uma comissão gestora dirija o PP até à eleição de um novo líder.