“Estamos a enfrentar uma guerra de agressão que vai espalhar o seu cancro por todo o Mediterrâneo, Itália e Europa. Precisamos de estar unidos e firmes no bloqueio à guerra de Haftar, um homem que traiu a Líbia e a comunidade internacional”, disse o primeiro-ministro líbio, Fayez al-Sarraj, em entrevista, esta segunda-feira, ao jornal italiano “Corriere della Sera”.
A 4 de abril, o comandante do autoproclamado Exército Nacional da Líbia, Khalifa Haftar, ordenou às suas forças militares de leste que avançassem sobre a capital do país, Trípoli. O chefe do Governo acusa Haftar de tentar liderar um golpe e, num discurso televisivo no início da ofensiva, Sarraj disse que ofereceu concessões a Haftar para evitar um banho de sangue mas foi “esfaqueado nas costas”.
A Líbia, em turbulência desde a deposição e morte do coronel Muammar Kaddafi há oito anos, tem pelo menos duas administrações rivais: um Governo internacionalmente reconhecido, estabelecido em Trípoli e chefiado por Sarraj, e um outro na cidade oriental de Tobruque, alinhado com o general renegado Haftar.
“Haftar diz que está a atacar terroristas mas aqui só há civis”
Na entrevista, o primeiro-ministro líbio avisou que “não há apenas os 800 mil migrantes potencialmente prontos [para sair], haverá líbios a fugir da guerra e, no sul da Líbia, os terroristas do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) que o Governo de Trípoli expulsou da cidade de Sirte há três anos”. As forças de Haftar, financiadas pelo exterior, “estão a atacar estruturas civis, estradas, escolas, casas, o aeroporto e instalações médicas (ambulâncias e hospitais)”, acusou Sarraj.
Na sexta-feira, o diário “The Wall Street Journal” escrevia que “dias antes” do início da ofensiva, “a Arábia Saudita prometeu dezenas de milhões de dólares para ajudar a pagar pela operação”. Segundo o jornal, a oferta foi feita durante uma visita a Riade, “um de vários encontros que Haftar teve com dignitários estrangeiros nas semanas e dias antes de começar a campanha militar”.
“O general Haftar diz que está a atacar terroristas mas aqui só há civis”, prossegue Sarraj em declarações ao “Corriere”. A sua “ação traiçoeira trará destruição à Líbia e aos países vizinhos”, acrescentou, sublinhando que “não há negociação possível se o ataque à população não cessar”.
A situação humanitária está “miserável” e tem tendência a “piorar”
Ensherah Bentaboon vive no centro de Trípoli e descreve a situação humanitária como “miserável” e com tendência a “piorar”. “Muitas pessoas saíram das suas casas para não serem mortas. Os líbios sentem-se revoltados com o silêncio à volta dos crimes de guerra e da utilização de crianças no conflito”, conta ao Expresso esta estudante de mestrado em Estudos Internacionais e Regionais.
Ao encontrar-se com apoiantes do Governo de Sarraj, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, advertiu: “Temos de evitar uma crise humanitária que poderá ser devastadora, não apenas pelas repercussões em Itália e na União Europeia mas no interesse do próprio povo líbio.”
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos 147 pessoas morreram e 614 ficaram feridas desde o início da ofensiva para tomar Trípoli. Mais de 18 mil pessoas estão deslocadas por causa dos conflitos, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
Ação de Haftar “assemelha-se mais a um golpe do que a contraterrorismo”
A comunidade internacional continua dividida quanto ao melhor destino para a Líbia. Uma coligação, que reúne o Egito, a Arábia Saudita, França e os Emirados Árabes Unidos, vê Haftar como uma possível fonte de estabilidade após anos de guerra civil. No entanto, o enviado especial da ONU à Líbia, Ghassan Salamé, rejeita a explicação do general para as suas ações. “É claramente uma tentativa para controlar a capital do país, onde pelo menos um terço da população vive. Isso tornou-se ainda mais evidente pelo facto de ele [Haftar] ter emitido um mandado de prisão contra o primeiro-ministro e outros, o que se assemelha mais a um golpe do que a contraterrorismo”, disse Salamé à BBC Radio 4.
“Quando, em 2011, as forças da NATO atacaram o Exército líbio, disseram que era para proteger os civis mas, na realidade, foi para proteger os terroristas que queriam depor Kadhafi. Esse foi o único motivo para os ataques aéreos da NATO”, acusa Ensherah Bentaboon.
“Neste momento, todas as milícias estão a lutar em Trípoli e a matar civis mas a NATO não quer saber dos civis. Muitas famílias morreram nas suas casas e muitas outras vão morrer se a comunidade internacional não acabar com esta guerra, como é sua responsabilidade. Eles destruíram o Exército e apoiaram os revolucionários, sabendo que havia terroristas infiltrados”, remata a estudante líbia, em declarações ao Expresso.