O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse esta quarta-feira que ainda é possível “evitar o pior” na Líbia, o que, na sua opinião, seria “uma batalha dramática e sangrenta por Trípoli”. “Ainda é possível que um cessar-fogo tenha lugar”, sublinhou numa conferência de imprensa na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, após uma visita à Líbia, de onde saiu “profundamente preocupado” e com o “coração pesado”.
Guterres encontrou-se com o general Khalifa Haftar, o comandante do autoproclamado Exército Nacional da Líbia (ENL) que está a tentar tomar a capital, e com o primeiro-ministro, Fayez al-Sarraj, que pertence ao Governo de Acordo Nacional (GAN), reconhecido internacionalmente. “É evidente que o meu apelo para que não fosse lançada uma ofensiva e para que cessassem as hostilidades não foi ouvido. Mas ainda é possível parar”, insistiu.
“É muito claro para mim que precisamos de relançar um diálogo político sério e uma negociação política séria mas é evidente que isso não é possível sem a cessação completa das hostilidades”, sublinhou Guterres. No Twitter, escreveu que “depois de informar o Conselho de Segurança”, reiterou o seu “forte apelo para que os confrontos na Líbia parem imediatamente”. “Não há solução militar”, acrescentou, antes “uma necessidade urgente de regressar a um processo político sério”.
UE retira única missão da Líbia
Em declarações ao “Diário de Notícias”, o brigadeiro Vincenzo Coppola informou que deu ordens à única missão europeia na Líbia para se retirar para Tunes, capital da Tunísia, na sequência do agravamento do conflito entre as forças leais ao comandante renegado e ao primeiro-ministro. A ofensiva comandada por Haftar deixou a União Europeia (UE) “sem interlocutor nem condições de segurança”, revelou ainda o militar, pelo que a missão, composta por 20 operacionais, decidiu retirar-se.
No domingo, o Comando dos Estados Unidos para África (AFRICOM) anunciou igualmente a retirada de um pequeno contingente que fora mobilizado para a Líbia para ajudar em ataques aéreos contra forças leais ao Daesh. O gesto foi seguido por forças indianas de manutenção de paz, pela multinacional italiana de petróleo e gás ENI e pela própria ONU, que comunicou a desmobilização de todo o seu pessoal não essencial.
Entre o “lógico” e o “irresponsável”
O analista de defesa e segurança Arnaud Delalande afirma que estas retiradas eram previsíveis. “Durante os confrontos entre as diferentes milícias e grupos armados no ano passado, os EUA, a ONU e a UE não retiraram o seu pessoal da Líbia porque o conflito decorria num sítio específico, mas, neste caso, a situação é mais complexa”, comenta ao Expresso a partir da cidade francesa de Tours. “Todas as unidades estão envolvidas e os confrontos alastram, abrangendo uma área extensa entre Sabratha, o leste de Sirte e em direção a Jufra. O risco de conflagração nunca foi tão alto desde 2011 e, por conseguinte, é lógico que membros não essenciais destas missões deixem temporariamente o país”, acrescenta.
Por seu lado, Radosveta Vassileva, académica búlgara da área da Justiça, classifica como “irresponsável” a decisão de retirar as forças da UE, “considerando a quantidade de pessoas que arriscam as suas vidas no mar para escaparem à opressão”. “Entretanto, é um desafio tentar encontrar uma posição comum da UE sobre a Líbia porque alguns Estados-membros têm relações históricas com o país e, por isso, impulsionam as suas próprias agendas”, nota ao Expresso.
Conferência da ONU suspensa
O agravamento das tensões aconteceu numa altura em que a ONU se preparava para realizar uma conferência, que devia arrancar no próximo domingo, na cidade de Gadamés, para discutir uma solução política e preparar o país para umas eleições há muito adiadas. A conferência foi entretanto suspensa.
A Líbia, em turbulência desde a deposição e morte do coronel Muammar Kaddafi em 2011, tem pelo menos duas administrações rivais: um Governo, estabelecido em Trípoli e chefiado por al-Sarraj, e um outro na cidade oriental de Tobruque, alinhado com Haftar.