Serão 751 ou apenas 705 cadeiras? O próximo Parlamento Europeu vai ou não ter britânicos sentados no hemiciclo? A dúvida permanece em Estrasburgo, enquanto os deputados britânicos não se decidem em Londres.
"Se eu comparar o Reino Unido à Esfinge, a Esfinge parece-me um livro aberto", ironizou esta manhã Jean-Claude Juncker, referindo-se ao enigma em cima da mesa: vai ou não o Reino Unido sair da União Europeia, como e quando?
E pouco mais disse sobre o Brexit perante os eurodeputados. O Presidente da Comissão Europeia já assumiu que sente uma espécie de "fatiga do Brexit". E não será o único. Mas Donald Tusk mantém o otimismo e a porta aberta para o caso de os britânicos mudarem de "de estratégia", e volta a lembrar que há ainda tempo para tudo, até para voltar atrás na decisão de sair.
Há tempo, mas está a esgotar-se. "12 de abril é a nova data do precipício", recordou Tusk. E é até lá que a Câmara dos Comuns e o Governo britânico têm de decidir se aprovam o acordo do Brexit ou saem de forma desordenada do bloco europeu nesse dia à meia noite; se revogam o artigo 50 que desencadeou a saída ou pedem uma extensão para além de 22 de maio, o que os obriga a participar nas próximas eleições europeias.
Europeias são incontornáveis se houver nova extensão
"Querem-me de volta?", voltou a perguntar Nigel Farage olhando para o hemiciclo. O tom é de gozo. O eurodeputado britânico foi um dos grande defensores do referendo de 2016 e acredita que se houver uma nova consulta popular, o voto dos que querem sair será ainda mais expressivo.
"Se o senhor Tusk acha que os britânicos mudaram de ideias sobre o Brexit, o senhor está iludido", atira o eurocético e desafia a União Europeia a rejeitar qualquer pedido que venha de Londres para prolongar a permanência do Reino Unido.
Farage deixa claro que prefere um Brexit caótico. Mas a visão do polaco que preside às reuniões dos líderes europeus é outra. Tusk defende que se o Reino Unido precisar de mais tempo - seja para mudar as linhas negociais, o governo ou organizar um novo referendo - a União Europeia deve estar disponível para aprovar uma extensão longa do artigo 50.
No entanto, a condição é clara: para ficarem mais tempo, os britânicos têm de voltar a eleger eurodeputados.
"A União Europeia não pode aceitar que a imensa trapalhada do Brexit contamine as eleições europeias e provoque uma guerra jurídica e crise de legitimidade em torno do PE", defendeu Pedro Silva Pereira. Para o socialista é preferível uma "extensão longa" a um cenário de "não acordo", mas também é claro que , nesse caso, a participação nas europeias é inquestionável.
O português, que foi o relator da nova composição do parlamento após o Brexit, recorda que há uma cláusula que mantém as 751 cadeiras enquanto os britânicos não saírem formalmente.
Já Paulo Rangel sublinha a indefinição. "Independentemente das discussões sobre o quadro e enquadramento dos tratados, neste momento há centenas de milhares, senão milhões de pessoas, a sofrer com a incerteza e com a instabilidade em que nós estamos a lançar a vida das empresas e dos cidadãos", diz.
Esteban González Pons, colega de bancada de Rangel no Partido Popular Europeu, é ainda mais duro: "O parlamento britânico deve comportar-se como um parlamento de adultos e tomar uma decisão". Para o espanhol, Londres tem de decidir se está dentro ou fora ."Se não ficar no futuro, não podemos voltar a fazer eleições europeias no reino unido", atira.
Pons não é o único a apontar o dedo à Câmara dos Comuns e ao arrastar da decisão. O belga Guy Verhofstadt acredita que "dentro de algumas gerações, o Reino Unido vai regressar à família das nações europeias", mas "não agora". E é por isso que tem muitas dúvidas sobre os benefícios de manter os britânicos mais tempo.
No início de março, Verhofstadt - que é o representante do PE nas negociações do Brexit" - considerou mesmo que a ida dos britânicos às urnas poderia prejudicar e contaminar o ambiente eleitoral europeu.
Esta quarta-feira, ele e outros parlamentares europeus ouviram a crítica e o apelo de Donald Tusk para estarem disponíveis para prolongar a permanência do Reino Unido.
UE rejeita humilhação a Londres
"Ninguém em Bruxelas quer roubar o Brexit e destronar o voto do povo britânico", garantiu Michel Barnier já no final do debate. O chefe europeu das negociações para o Brexit dirigia-se a Nigel Farage, sentado ao lado dele.
O discurso do francês é também para os que, dentro e fora do Parlamento Europeu, acusam os 27 de dificultarem propositadamente a saída dos britânicos. Barnier rejeita ainda qualquer vontade de humilhar o outro lado do canal da Mancha.
"Em nenhum momento nestes dois últimos anos, em nenhum segundo, houve na nossa atitude e na minha atitude o mínimo traço de vontade de humilhação ou de vingança sobre o Reino Unido, pelo contrário", assegurou.
Ao mesmo tempo, deixou também claro que o impasse deve ser resolvido "o mais cedo possível", remetendo para a intervenção de Maria João Rodrigues e para a necessidade de se olhar para todas as outras questões europeias que estão por resolver. A deputada socialista dissera momentos antes que "há mais vida para além do caminho negro do Brexit".