Há coisas que custam a mudar. Hoje, como no início de 2016, o Reino Unido faz parte da União Europeia (UE), sendo provável que continue assim depois da próxima sexta-feira, 29 de março, a data ainda legalmente consagrada como prazo de saída. E hoje, como há três anos, Boris Johnson está indeciso.
Embora garanta ao Expresso que “Portugal é e continuará a ser um aliado precioso do Reino Unido”, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros britânico tem dificuldade em definir o que será não só a futura relação com a UE como a própria forma de sair dela. Existe um “risco considerável” de que não haja Brexit, afirmou nesta terça-feira num debate organizado pelo diário “The Daily Telegraph”, onde é colunista. Daí que não exclua votar a contragosto a favor do acordo de saída de Theresa May, que sempre rejeitou e considera “horrendo”.
Em fevereiro de 2016, quatro meses antes do referendo sobre o Brexit, o então deputado conservador anunciou nas páginas do mesmo jornal que ia fazer campanha pela saída, contra a vontade do líder do partido e primeiro-ministro David Cameron. Mas é sabido que Johnson tinha dois artigos escritos: o que foi publicado e outro a defender a permanência na UE. Mais tarde explicou que o redigira para analisar os argumentos da posição contrária.
Não haverá fogueiras
“Sexta-feira devia ser um dia de festejo”, lamentou durante a sessão. No seu estilo grandiloquente, falou de “sinos a tocar, fogueiras, selos e moedas a marcar a efeméride”. Em vez disso, o Governo (de que se demitiu no verão passado por discordar da abordagem ao Brexit da primeira-ministra) fez um exercício de “invertebrado como não se via desde o período pré-câmbrico” e negociou com os 27 um adiamento, que o Parlamento exigira, “apesar de May ter dito mais de 100 vezes que a saída era no dia 29”.
O deputado critica sobretudo a aceitação pelo Executivo de regras “que prendem a Irlanda do Norte à UE” e o “pânico relativo ao cenário de sair sem acordo”, que a seu ver não seria trágico, mas que o Parlamento recusa.
Na véspera de votações impostas pelos deputados, contra a vontade de May, sobre vários rumos para desbloquear a crise, constata que “o Governo colaborou no sequestro do navio do Estado pelo pirata Oliver Letwin”. Este seu colega de bancada foi autor da proposta aprovada na segunda-feira para dar à Câmara dos Comuns a condução do processo.
Johnson promete, quarta-feira, votar contra o projeto de lei governamental para efectivar o adiamento acordado em Bruxelas na semana passada, que vai até 22 de maio se o acordo for aprovado até sexta-feira, mas apenas até 12 de abril se tal não suceder. O que o também ex-autarca de Londres não diz é como votará se May voltar a levar a votos o documento já duas vezes chumbado, a que chama “lamentável” e “pseudo-Brexit”, por não representar um “corte claro”. A governante ainda aspira a uma terceira tentativa, apostando em que a ala eurocética radical do Partido Conservador perceba que ou apoia o acordo ou corre o risco de ficar na UE. Mas May só arrisca se sentir que há condições para este ser aprovado.
Quem quer a cadeira de May?
“Faz alguma coisa, Boris”, disse um membro da plateia, maioritariamente eurocética e grisalha. As poucas vozes pró-UE vieram de jovens que lamentaram não ter podido votar há três anos. Um deles, que veio com a turma do liceu, disse ao Expresso após a sessão que continuava “a preferir ficar na UE”, ponto de vista que ninguém defendeu publicamente no serão.
“A sua posição ao admitir apoiar o acordo de May não é parecida com a atitude de rendição de que acusa a primeira-ministra?”, perguntou o jornalista Charles Moore, que conduziu a sessão. “Eu não disse que votava a favor, apenas que há um dilema”, defendeu-se Johnson, minutos antes de uma sondagem de braço no ar revelar que a esmagadora maioria da sala o exortava a votar contra. “Foi como na reunião do partido em Uxbridge e South Ruislip”, reconheceu, referindo-se ao círculo eleitoral londrino que representa.
Para votar a favor do acordo, explica Johnson, teria de ter garantias de que “a próxima fase será diferente”. Leia-se, a negociação da relação futura, até agora objeto apenas de uma declaração de intenções de vinte páginas, face a um acordo de saída de mais de 500.
“Não estou a falar de personalidades mas de métodos e ambições”, assegurou, minutos depois de ter deplorado a “falta de liderança” do país e de diagnosticar como razão dos atuais problemas “o facto de o Governo ser dominado por defensores da pertença à UE”, atacando com particular afinco o ministro das Finanças, Phillip Hammond, que há dias admitiu um segundo referendo.
Renúncia em troca de votos?
Dado que vários defensores do Brexit têm sugerido que o preço pelo seu voto pode ser a demissão a curto prazo da chefe do Governo (que quarta-feira à tarde terá uma importante reunião com o grupo parlamentar), o espectro dos desejos de Boris de ascender a primeiro-ministro não andou longe. No fim-de-semana, enquanto May recebia adversários internos na sua residência de campo em Chequers, adidos seus perguntavam diretamente aos mesmos se a demissão da líder seria suficiente para deixarem passar o acordo. Em todo o caso, os unionistas norte-irlandeses, indispensáveis para formar maioria, ainda estão contra.
“Foi uma sessão fabulosa”, concluía com amor paternal, no final, Stanley Johnson, antigo eurodeputado e pai de Boris, que é partidário de ficar na UE. “Ele ainda não se decidiu”, dizia, desolado, o advogado jubilado Robert Davies, na assistência. Para uma sala com muitos assinantes do “Telegraph”, a hipótese de Johnson ceder a May, como parece estar disposto a fazer outro arqui-eurocético, Jacob Rees-Mogg, é um balde de água fria.
“Isto resolve-se “, dizia o orador ao Expresso. Rapidamente mudou o assunto do Brexit para a última vez que esteve em Portugal como ministro, para um encontro em Belém, no MAAT, com empresários, políticos e jornalistas, incluindo o que assina estas linhas. “Foi lindo. À beira-rio. Só que depois a BBC publicou um filme comigo a ensaiar o que ia dizer e fiz má figura!” Hoje não terá sido assim, mas para os fãs de Boris soube a pouco.