Continua a saga do professor indiano que, entre outras atitudes consideradas ofensivas pelo primeiro-ministro, afirmou que ele era pior do que Hitler. No ano passado, depois de um conflito entre Dalits (antigamente chamados intocáveis) e hindus de castas altas resultar em confrontos que produziram um morto, vários ativistas foram presos sob a acusação de terem concebido um plano para derrubar o governo.
Um deles é Anand Teltumbde, um respeitável professor de 67 anos com reputação internacional, e que os seus colegas dizem ser uma pessoa extremamente pacífica. Teltumbde é conhecido pela sua atividade em prol das minorias e as autoridades dizem que está ligado a grupos maioístas com propósitos insurrecionais.
Tal como no caso de outros ativistas, parte das provas consiste em cartas alegadamente encontradas no seu computador, algumas das quais têm um nítido ar de serem falsas, segundo alguns comentadores. Ou no mínimo, de estarem a ser interpretadas de uma forma implausível.
Os massacres em Gujarat
A confrontação em janeiro do ano passado aconteceu durante as comemorações de uma batalha com dois séculos na qual os Dalits se aliaram aos colonos ingleses contra os hindus que os combatiam. Um tema sempre incendiário e que ainda o é mais durante a fase nacionalista que o país atravessa.
O que mais terá irritado Modi, porém, foi o facto de Teltumbde, ao intervir num festival literário, ter considerado narcisista o primeiro-ministro, avisando que ele podia tornar-se mais perigoso do que Hitler. Segundo o "New York Times", o professor chamou às políticas de Modi "fascismo mais qualquer coisa" e acusou-o de ter promovido os massacres de 2002 no estado de Gujarat, onde Modi era ministro-chefe.
Tudo assuntos que não convêm nada ao primeiro-ministro em ano de eleições gerais. Teltumbde já esteve preso. Depois foi libertado, mas o Alto Tribunal de Bombaim recusou anular as acusações. O Supremo Tribunal deu-lhe um prazo de quatro semanas para pedir o regime de fiança preventiva, mas esse prazo ia ser ignorado e só não o foi devido a algumas intervenções de última hora.
"O processo é o verdadeiro castigo"
Segundo a decisão superior agora reafirmada, Teltumbde tem até dia 27 para pedir a fiança. Entretanto, as acusações já estão a ter efeitos práticos na sua vida. Apesar da solidariedade expressa por vários intelectuais de fama mundial, teve de parar de dar aulas e foi viver com os sogros.
A escritora e ativista Arundhati Roy, num artigo em que designa Teltumbde como "um dos nossos mais importantes intelectuais públicos" e elogia as suas obras sobre massacres históricos e o sistema de castas, qualifica de escandalosas as acusações que lhe fazem. E prevê: "Não há dúvida de que ele acabará por ser libertado pelos tribunais superiores. Não há dúvida de que quando isso acontecer reafirmaremos a nossa fé nos tribunais deste país. Mas com prisioneiros isso pode bem acontecer daqui a anos. Até lá, apodrecerão na cadeia".
"As suas carreiras serão interrompidas", conclui Roy. "Aqueles que eles amam ficarão exaustos de andar a correr de um lado para o outro. Serão feitas tentativas para os quebrar emocional e financeiramente. Todos sabemos que, na Índia, o processo é o verdadeiro castigo".