Reem e Rawan (nomes fictícios) são duas irmãs sauditas, de 18 e 20 anos, com muitos sonhos na bagagem. Mas enfrentam mais obstáculos do que as demais de outros países. Cansadas da opressão a que estavam sujeitas na Arábia Saudita, um dos reinos mais conservadores do mundo, as duas começaram a pensar em fugir do país.
Um plano ambicioso e cheio de riscos, que foi arquitetado minuciosamente ao longo de dois anos, conta a CNN. Com medo de serem apanhadas pelos pais ou pelos irmãos, Reem e Rawan trocaram centenas de mensagens no WhatsApp, mesmo quando se encontravam as duas sozinhas no quarto à noite. Afinal, todo o cuidado era pouco.
Foi durante uma viagem da família à capital do Sri Lanka que passaram finalmente da teoria à prática. O relógio marcava duas da manhã. Na noite de 6 de setembro de 2018, Reem chamou um táxi, enquanto Rawan conseguiu retirar os passaportes da mala dos pais.
Vestiram as calças de ganga que compraram sem a família saber e saíram de casa sem os véus. Quando chegaram ao aeroporto internacional de Colombo, as duas irmãs drigiram-se a um balcão da companhia aérea SriLankan Airlines e compraram dois bilhetes para um voo com destino a Melbourne (Austrália) e com escala em Hong Kong, que já tinham pesquisado anteriormente na internet.
Escala de cinco meses em Hong Kong
A viagem durava seis horas e a escala menos de 120 minutos. Contudo, acabou por durar cinco meses. Reem e Rawan mal podiam imaginar que os obstáculos começavam aí. Assim que saíram do avião no aeroporto de Hong Kong, dois homens dirigiram-se às duas jovens sauditas e perguntaram-lhes se estavam a viajar para Melbourne. Depois pediram-lhes os passaportes e informaram que havia um problema com os vistos da Austrália.
Resultado? Reem e Rawan ficaram impedidas de prosseguir viagem. Segundo o advogado, Michael Vidler, um tio das jovens tinha uma ligação de proximidade com o ministro do Interior saudita, o que terá facilitado a identificação das duas cidadãs sauditas no aeroporto de Hong Kong.
Ainda de acordo com o advogado, os dois indivíduos que se dirigiram às jovens – um funcionário da SriLankan Airlines e um funcionário do aeroporto – cancelaram os voos de ambas para Melbourne e reservaram dois bilhetes para um voo com destino a Riade. Em causa estava uma ordem explícita do consulado saudita.
Entretanto, o pai transmitiu às autoridades que as duas irmãs deviam regressar o “mais rapidamente possível” à Arábia Saudita, porque a mãe estava doente, em fase terminal.
Mas ambas sabiam que se tratava de uma estratégia de chantagem emocional para obrigar as duas a regressar ao país. Por isso, resolveram gritar que estavam a ser sequestradas. E nesse momento conseguiram fugir mais uma vez. Dirigiram-se a um balcão da companhia aérea Qantas e tentaram comprar um novo voo com destino à Austrália.
Mas, pela segunda vez em cerca de duas horas, foram travadas pelas autoridades sauditas. Segundo as irmãs, o vice-consul saudita contactou a companhia aérea australiana e disse que as duas cidadãs sauditas não eram turistas, tinham roubado dinheiro e estavam em fuga. Em pouco tempo, Reem e Rawan eram informadas de que os seus vistos na Austrália tinham sido cancelados.
MNE saudita e australiano recusam comentar o caso
A CNN confrontou o consulado saudita em Hong Hong, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita e o Ministério da Administração Interna australiano sobre o caso, mas não obteve resposta de qualquer das partes.
Assim que chegaram a Hong Kong, pai e o tio de Reem e Rawan conseguiram localizar as duas irmãs. E demorou pouco para serem detidas pelas autoridades locais para interrogatório.
Ao longo de cinco meses, as duas jovens sauditas saltaram de abrigo em abrigo para evitarem ser deportadas para o seu país. O advogado explica que os passaportes sauditas foram cancelados e não têm autorização para permanecer em Hong Kong. Por isso, procuram pedir asilo noutro país seguro.
Reem e Rawan dizem que hoje em dia conseguem fazer coisas normais como ver séries na Netflix ou pintar os lábios, mas admitem estar ansiosas e nervosas com o que virá depois.
“O reino da Arábia Saudita persegue raparigas normais. Nós somos simplesmente jovens que estão à procura de uma nova vida longe da violência. Não queremos ser “boas raparigas” como eles pretendem. (...) Eu quero escolher o que quero estudar, eu quero trabalhar no sítio em que eu quiser e quero escolher o dia em que quero casar. E escolher o homem com quem quero casar. E se não quiser casar, eu tenho esse direito de escolha”, diz uma das irmãs.
Ambas admitem que a Riade esteve envolvida no homicídio de Jamal Khashoggi, o jornalista saudita que foi assassinato no consulado do seu país em Istambul. E por isso vivem aterrorizadas – com medo de serem alvo de uma pesada punição que pode passar até pela pena de morte.