Com os partidos enfraquecidos no Brasil e a sua nostalgia assumida pela ditadura, Jair Bolsonaro terá poucos obstáculos institucionais em levar a cabo um programa considerado extremo para os padrões habituais das democracias. O maior desses obstáculos, provavelmente, será o Supremo Tribunal, guardião da Constituição. Como muitas das medidas propostas pelo agora Presidente-eleito violam direitos fundamentais – desde logo, o direito à vida – são de esperar confrontos relativamente constantes.
Segundo disse ao diário espanhol “El País” o professor de direito constitucional Oscar Vilhena, autorizar os polícias a matar à vontade no decurso da sua atividade com a garantia de que não serão punidos, como quer Bolsonaro, "seria claramente declarado inconstitucional porque atinge o direito à vida. Não se pode deixar um bem jurídico como a vida sem proteção perante a ação judicial".
Vilhena explica que a opção do tribunal noutros casos será deixar uma medida passar mesmo que lhe desagrade. "Em tudo o que implique uma afronta grave à constituição, o Supremo Tribunal deverá enfrentar e pressionar o Governo. Em muitas outras coisas, os juízes podem não estar de acordo pessoalmente mas não as vão declarar inconstitucionais". Assim será, por exemplo, em medidas que autorizem o porte de arma geral ou rebaixem o limite etário da responsabilidade penal.
O campo de Bolsonaro parece estar consciente do obstáculo que o Supremo Tribunal representa. Num vídeo surgido já na fase final da campanha, um dos filhos do candidato aparece a dizer que para fechar o tribunal bastaria "um cabo e um jeep". Bolsonaro posteriormente enviou uma carta ao decano do tribunal a prometer honrar o seu papel, mas, como nota o diário “El País”, se ele quiser realmente cumprir o programa que anunciou ao país, os conflitos resultantes não se deverão resolver com diplomacia.
Ou seja – pegando na comparação habitual com Trump, mas em pior – a relação entre o Presidente, a lei e o sistema judicial vai ser tudo menos simples no Brasil dos próximos anos.