Internacional

Bruxelas prepara-se para divulgar primeira versão do Tratado do Brexit

Michel Barnier diz que acordo legalmente vinculativo não trará surpresas, por se limitar a esclarecer os compromissos políticos que têm sido alcançados entre a UE e o Reino Unido desde o início das negociações de saída. Contudo, antevêem-se conflitos entre os dois partidos da coligação de governo no Reino Unido, com os Unionistas da Irlanda do Norte a repetirem os avisos de que não vão aceitar o regresso a uma "fronteira dura" com a Irlanda no pós-Brexit

PAUL FAITH

A União Europeia vai publicar esta quarta-feira o primeiro rascunho legal do acordo de saída do Reino Unido, com detalhes sobre os termos e condições do Brexit, que tem de estar concluído até março de 2019. No documento deverão constar diretivas para a permanência da Irlanda do Norte no mercado únido no pós-Brexit para evitar uma "fronteira dura" com a República da Irlanda caso não seja encontrada outra alternativa.

O tema é um dos tópicos mais fraturantes das negociações em curso entre Londres e Bruxelas, depois de a primeira-ministra britânica, Theresa May, ter sido forçada a coligar-se com os Unionistas norte-irlandeses para continuar no poder no rescaldo das legislativas de junho passado. O aliado da coligação já ameaçou abandonar o governo caso voltem a ser aplicadas taxas aduaneiras e controlos na fronteira entre as Irlandas. Downing Street tem garantido repetidamente que não aceita continuar na união aduaneira e, simultaneamente, que não vai permitir o retorno a uma "fronteira dura" naquela que, depois do Brexit, será a única ligação terrestre do Reino Unido à UE.

Para o Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte, o rascunho que está prestes a ser divulgado por Bruxelas "viola fundamentalmente" o acordo preliminar que foi alcançado no final de 2017 entre a UE e o Reino Unido. "A UE e Dublin estão iludidos se acham que o governo vai subscrever [um tratado que define] uma fronteira [física] no Mar da Irlanda", referiu ontem Jeffrey Donaldson, do DUP, sublinhando que o divórcio nos termos em que está definido vai minar o estatuto da Irlanda do Norte delineado no Acordo de Belfast.

Também conhecido como Acordo da Sexta-Feira Santa, o tratado que os governos britânico e irlandês assinaram em 1998, com o apoio da maioria dos partidos políticos da Irlanda do Norte, veio definir como é que a região deveria ser governada, pondo fim a um conflito sectário de 30 anos que provocou milhares de mortos. No rascunho do tratado do Brexit, um documento de 120 páginas preparado pela Comissão Europeia, apresentam-se três opções para evitar o regesso a uma fronteira física entre as Irlandas — uma delas, aponta o correspondente da BBC em Bruxelas, prevê a permanência da Irlanda do Norte no mercado único e na união aduaneira após a conclusão do Brexit, e será a que menos agrada a Londres.

Michel Barnier, chefe das negociações do Brexit do lado da UE, já veio garantir que o rascunho em causa não trará surpresas, limitando-se a traduzir em linguagem legalmente vinculativa os compromissos políticos alcançados pelos dois lados desde o início das negociações, referentes à Irlanda, aos direitos dos cidadãos da UE que vivem no Reino Unido e à chamada 'fatura do divórcio'. Nele é ainda definido que, durante a transição para o Brexit (um período que deverá estar concluído em 2020), os britânicos terão de continuar a reger-se pela legislação comunitária mas sem direito de voto nem quaisquer poderes de decisão, ficando sujeitos aos acordos e regras que forem sendo definidos pela UE a 27.

Barnier está "preocupado" com desavenças quanto à fronteira irlandesa
Thierry Monasse

"O relógio está a avançar e o tempo é curto", declarou Barnier numa conferência de imprensa na terça-feira. "Estou preocupado", acrescentou sobre a falta de consenso quanto a questões fundamentais como a fronteira irlandesa. A conversa com os jornalistas decorreu depois de ter chegado à imprensa uma carta assinada pelo chefe da diplomacia britânica, Boris Johnson, na qual o governante sugere que está disposto a aceitar o regresso a uma fronteira "dura" com a Irlanda depois de o Reino Unido abandonar a UE.

Segundo a TV irlandesa RTE, a primeira versão do tratado do Brexit que Bruxelas está prestes a divulgar propõe que a Irlanda do Norte continue a integrar a união aduaneira mesmo depois da saída do Reino Unido, através da criação de um único "espaço regulatório" na ilha da Irlanda sem barreiras internas. Segundo a SkyNews, que teve acesso à carta de Johnson, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá garantido a May que não há motivos de preocupação porque "95% do tráfego" continuará a não estar sujeito a controlos mesmo que volte a ser implementada uma fronteira física entre as duas Irlandas. Na missiva, Johnson garante que Bruxelas tem estado a dar uma "impressão exagerada" sobre "o quão importantes são os controlos" nas fronteiras externas da UE.

Face ao conteúdo da carta, o Partido Trabalhista exigiu esta semana que Johnson, um dos grandes defensores do Brexit dentro do governo conservador britânico, seja despedido "antes que cause mais danos" nas negociações de saída em curso. Um porta-voz do ministro respondeu que a carta só foi criada "para demonstrar a facilidade de gerir uma fronteira [dura] para que o Brexit tenha sucesso".

"A carta salienta a fronteira que existe atualmente e sublinha que a tarefa da comissão [governamental para o Brexit] é impedir que esta se torne muito mais rija", acrescentou o representante. "Demonstra como podemos gerir uma fronteira sem infraestruturas ou controlos ao mesmo tempo que protegemos os interesses do Reino Unido, da Irlanda do Norte, da Irlanda e da UE."