Internacional

Governo catalão espera por bons ventos europeus

Carles Puigdemont e os seus aliados ajustam a agenda para a proclamação unilateral da independência

ALBERTO ESTEVEZ / EPA

A rápida evolução dos acontecimentos na Catalunha obriga a reajustar o calendário inicialmente previsto para dar seguimento ao referendo à independência do passado domingo, 1 de outubro. Esse calendário previa que, uma vez celebrada a consulta, o parlamento regional tomasse conhecimento formal dos resultados e, num prazo de 48 horas, formulasse uma declaração unilateral de independência (DUI).

Parece que já não vai ser assim. As autoridades catalãs, encabeçadas pelo presidente Carles Puigdemont, querem aproveitar as circunstâncias, que interpretam como largamente favoráveis a sua causa, resultantes dos violentos incidentes de domingo, em que as forças de segurança do Estado (Polícia Nacional e Guarda Civil) carregaram duramente contra centenas de cidadãos que tinham aderido a uma ida às urnas claramente ilegal.

As impressionantes imagens, difundidas em todo o mundo, da atuação dos agentes contra votantes pacíficos geraram um amplo movimento de solidariedade e simpatia para com a causa catalã. O governo regional deseja capitalizá-la, ainda que o apoio provenha de personagens de perfil tão nítido como Nigel Farage, o eurodeputado que foi líder do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP), a mais destacada formação de extrema-direita no continente.

Autor das mentiras mais flagrantes sobre as consequências do Brexit, foi o membro do Parlamento Europeu mais ativo na denúncia da ação desproporcionada da polícia espanhola, em cumprimento das ordens judiciais para impedir a votação. O inglês conseguiu que a ordem do dia da sessão de amanhã fosse alterada, passando os eurodeputados a analisar a situação na Catalunha.

Esta convocatória irá marcar a agenda do parlamento catalão, cujo órgão gestor, formado pelos porta-vozes dos partidos com representados no hemiciclo, se reunirá na tarde de quarta-feira, dia 4 para decidir quando será convocada a sessão plenária que receberá oficialmente os resultados do referendo, comunicados por Puigdemont.

Tudo indica que tal sessão se celebrará na sexta-feira, dia 6, ou mesmo no início da próxima semana. O governo catalão ganharia, assim, tempo para obter mais apoios, deixando um intervalo suficiente para que haja resposta ao seu apelo a favor de uma mediação internacional no conflito com Madrid, de preferência vinculada à União Europeia.

O primeiro-ministro espanhol nem quer ouvir falar de tal mediação, que colocaria a Catalunha ao mesmo nível de Espanha numa eventual mesa de diálogo. A desgastada figura política de Mariano Rajoy sofre extraordinária e rápida degradação por estes dias, fruto dos erros do governante conservador e da sua equipa na gestão do referendo.

Parte da aliança que apoia o governo de Puigdemont, sobretudo a que pertence ao Partido Democrata Europeu da Catalunha (PDeCAT, a antiga Convergência Democrática, onde milita o presidente catalão), exorta o líder regional a administrar com calma os trunfos obtidos no domingo, sem se precipitar para o passo irreversível da declaração de independência. Já os parceiros e coligação, sobretudo a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e os neoanarquistas da Candidatura de Unidade Popular (CUP), preferem que tenha quanto antes um passo definitivo rumo à secessão.

Catalunha paralisada

Entretanto, hoje foi um dia em branco para grande parte da sociedade catalã. Houve uma greve geral, convocada pela CUP e por sindicatos minoritários, para protestar contra os incidentes de domingo. Curiosamente, esta paralisação foi anunciada pela formação política antissistema uma semana antes de os catalães votarem e de haver incidentes com a polícia.

As grandes centrais sindicais, Comissões Operárias (CCOO, em tempos controlada pelo Partido Comunista de Espanha) e União Geral de Trabalhadores (UGT, socialista) não quiseram unir-se a esta convocatória, argumentando tratar-se de uma greve política e não laboral. Não obstante, apoiaram as mobilizações que acompanharam a paralisação, à qual houve uma adesão em massa.

A greve notou-se sobretudo nos transportes coletivos, no sistema educativo e nos serviços de saúde. Os grandes armazéns e centros comerciais abriram com normalidade; as pequenas lojas de bairro ficaram fechadas ao início do dia, embora tenham vindo a abrir timidamente as suas portas, tal como muitos bares e restaurantes. Os funcionários públicos, animados pelo anúncio do governo regional de que a jornada perdida não lhes seria descontada no salário, ficaram na maioria em casa, parecendo não recordar que o Ministério das Finanças espanhol assumiu o controlo das finanças do Executivo catalão, pelo que quem paga o ordenado aos funcionários públicos catalães é Madrid. O Ministério em causa assegurou de forma rotunda que os emolumentos correspondentes serão descontados.

A greve, que provocou cortes em estradas e autoestradas, com abundantes barricadas, piquetes nas zonas industriais e outros tipos de incómodos, teve seguimento entusiástico em numerosas mobilizações e concentrações organizadas no centro de Barcelona. Milhares e milhares de jovens munidos de bandeiras independentistas percorreram os pontos nevrálgicos da cidade, num ambiente festivo em que os lemas independentistas foram cantados em coro, a plenos pulmões. Também houve ataques ao rei – que falou ao país esta noite – a Rajoy e ao Partido Popular (no poder) além de críticas às forças policiais diante dos seus quartéis.

Polícias expulsos de hotéis

Estes corpos de segurança sofreram nas últimas horas uma séria concatenação de humilhações nalgumas povoações catalãs (como Calella e Pineda del Mar) onde estavam acantonados. Milhares de habitantes dessas localidades manifestaram-se junto aos hotéis onde se alojavam estes agentes durante a sua estada temporária na Catalunha. Obrigaram-nos mesmo a abandoná-los, tendo sido protegidos pelos Mossos d’Esquadra, a polícia regional.

Estas ações indignaram o Governo de Rajoy, que ordenou aos polícias que ficassem nos alojamentos previstos. As imagens dos corpulentos agentes a sair dos estabelecimentos hoteleiros acossados, amedrontados e à pressa, farão parte da numerosa iconografia que se acumula a propósito da situação na Catalunha.