O que Portugal precisa para crescer

“Sempre fomos maus na execução e há o risco de uma oportunidade perdida”

O mundo mudou nos últimos nove meses e abriram-se inúmeras oportunidades para a economia portuguesa crescer, mas Portugal ainda não fez nenhuma reforma estrutural que permita aproveitar essas oportunidades, dizem os participantes do debate que, na segunda-feira à noite, versou sobre o que Portugal precisa para crescer

Primeiro de seis debates sobre o que Portugal precisa para crescer
José Fernandes

Ana Baptista e José Fernandes

“O que Portugal precisa para crescer” foi o tema do primeiro de seis debates que a Impresa e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) vão organizar ao longo dos próximos meses. No painel de convidados do encontro de segunda-feira à noite na SIC Notícias estiveram o economista Ricardo Reis; a professora da Católica Business School, Fátima Barros; o economista e coordenador do estudo da FFMS que dá o mote a estes debates, Fernando Alexandre; e ainda Amélia Santos, CEO da Innuos, uma empresa de audio digital considerada um exemplo do novo modelo de crescimento para a economia portuguesa que é sugerido pela Fundação. Estas são as principais conclusões.

1. Uma economia estagnada

  • O diagnóstico não é favorável: Entre 1980 e 2000, a economia portuguesa crescia a 4% ao ano, mas em 20 anos, entre 2000 e 2020, o PIB real cresceu apenas 10%, porque “o mundo mudou, mas continuámos a apostar num modelo que funcionou nos anos 1980 e 1990”, diz Fernando Alexandre. Para o economista há uma falta de capacidade de decisão dos governantes no que respeita a reformas estruturais.
  • Aliás, Fátima Barros entende que Portugal não tem sido capaz de ter um planeamento de médio e longo prazo que perdure no tempo, ou seja, que “não fique refém dos ciclos eleitorais”, o que, diz, exigiria um compromisso por parte dos vários políticos. Isso nota-se, por exemplo, nas ligações ferroviárias ao centro da Europa, algo essencial “para um país e uma economia pequena que só pode crescer se olhar para o mercado externo” ou no novo aeroporto de Lisboa cujo atraso de 50 anos “mostra bem a incapacidade de decidir dos governantes”, diz Fernando Alexandre.
  • Há também “o problema da falta de competências de gestão”, diz Fátima Barros, o que é válido tanto no Governo como nas empresas. “Temos uma situação dual em Portugal. Temos empresas de ponta; uma parte da população altamente qualificada; infraestruturas rodoviárias e digitais e centros de investigação de topo; faculdades nas melhores do mundo, mas temos uma população envelhecida e pobre e com baixos níveis de educação. Por exemplo, 45% dos fundadores das pequenas empresas tem o ensino básico. E mesmo os mais qualificados têm dificuldade em usar essas qualificações por causa do modelo de organização das empresas”, o que os leva a sair de Portugal e a não regressar, diz.

28%

É a percentagem de pessoas, entre os 18 e os 64 anos, que tem o ensino secundário em Portugal. Na Polónia são 68% e na Roménia, 62%. Em contrapartida, no ensino superior estamos quase na média europeia.
Amélia Santos, CEO da Innuos, e o economista Ricardo Reis foram dois dos oradores presentes no debate
José Fernandes

2. As consequências

  • A falta de capacidade de decisão e de gestão deu origem a vários problemas estruturais, como a ineficiência da administração pública; a já referida falta de ligações ferroviárias ao centro da Europa; e a centralização da economia, ou seja, os centros de decisão estarem concentrados em Lisboa ou numa ou duas regiões, como repara Fernando Alexandre.
  • Mas também deu origem a uma carga administrativa nas alfândegas; a licenciamentos demorados; impostos elevados para as empresas, o que baixa os salários e retrai o investimento direto estrangeiro; ou ainda a longos processos de candidatura e atribuição dos fundos europeus, o que “não se coaduna com as necessidades, a agilidade e a rapidez que as empresas precisam”, repara Amélia Santos.

“Não podemos pensar na quantidade de dinheiro que aí vem, mas sim na qualidade da sua aplicação. Já não estamos nos anos 80 em que era preciso fazer auto-estradas”, diz o economista Ricardo Reis

Fátima Barros, professora da Católica Business School e Fernando Alexandre, economista e coordenador do estudo da FFMS que dá o mote a estes debates
José Fernandes

3. O risco de persistir no mesmo modelo

  • Se o mundo já tinha mudado bastante entre 2000 e 2020, muito por causa da transição digital, ele voltou a mudar, e ainda mais depressa, em 2020 e 2021, por causa da pandemia, e voltou a mudar de novo, no início de 2022, por causa da guerra na Ucrânia. E o grande receio dos oradores deste debate é que, a julgar pelo que se tem passado nos últimos 20 anos e, em particular nos últimos nove meses, Portugal continue a apostar num modelo económico e político esgotado.
  • “Apontamos como causas para não ter crescido nos últimos 20 anos o estarmos na periferia e longe dos centros de decisão; a dependência das energias fósseis - porque não temos petróleo ou gás -; e a falta de capital. Mas, há nove meses, o mundo mudou e houve melhorias em todas estas circunstâncias, ou seja, ficaram melhores para Portugal. Com o trabalho à distância não estás assim tão longe; o mundo virou para as renováveis nas quais Portugal tem uma vantagem, e com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) temos fundos a substituir a falta de capital. Mas, até agora, ainda não houve nenhuma mudança significativa. Foram pouquíssimas ou nenhumas as reformas feitas pelo Governo para agarrar essas oportunidades”, diz Ricardo Reis. E não é o facto de ter havido eleições que justificam essa “quase ausência de reformas”, acrescenta Fernando Alexandre.
  • “Geralmente, sou optimista, mas no que se refere à execução da bazuca tenho algumas dúvidas. Já estamos a pedir adiamento do prazo de execução, o que provavelmente é normal e também acontecerá noutros países. O problema é que nós fomos sempre maus na parte da execução e há o risco de uma oportunidade perdida”, diz Fátima Barros.

*Se não teve oportunidade de ver o debate transmitido na SIC Notícias poderá fazê-lo através dos seguintes links:

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