Projetos Expresso

Maria Manuel Mota: “Atrasos no diagnóstico, frequentes entre os homens, têm impacto muito significativo nos tratamentos”

O cancro é o que mais preocupa os portugueses (47%), sobretudo do cólon do recto (intestinos) (52%), pâncreas (49%) e pulmão (44%). A cientista pede atenção aos fatores de risco. Maria Manuel Mota é a oitava de dez entrevistas relacionadas com o estudo da GfK Metris para o Expresso sobre “A Saúde do Homem”

A cientista Maria Manuel Mota foi escolhida para liderar o GIMM, instituto criado em 2024 e que resultou da fusão dos institutos Gulbenkian de Ciência e de Medicina Molecular João Lobo Antunes

Os inquiridos referem a idade como principal fator de risco (40%), seguida da hereditariedade, especialmente junto do género feminino (42%), do sedentarismo (29%) e também do excesso de peso/ obesidade (28%). Estes dados refletem o estado atual do conhecimento científico?

Sim, estes dados estão alinhados com o que a ciência tem vindo a demonstrar. A idade continua a ser o principal fator de risco para muitas doenças crónicas, incluindo cardiovasculares, neurodegenerativas e oncológicas, porque o envelhecimento está associado a alterações acumuladas no funcionamento do organismo e do sistema imunitário. A hereditariedade, sobretudo em doenças como o cancro da mama e do ovário, tem de facto maior expressão no género feminino, embora também possa afetar os homens.


Por outro lado, fatores modificáveis como o sedentarismo e o excesso de peso/obesidade continuam a ser altamente prevalentes e preocupantes, porque são potenciadores de múltiplas doenças e são passíveis de intervenção através de políticas públicas, educação e mudanças de comportamento. A boa notícia é que, ao contrário da idade ou da herança genética, estes fatores podem ser prevenidos — e isso reforça a importância da promoção de estilos de vida saudáveis como parte essencial da prevenção em saúde.

Dos 81% das pessoas já tiveram uma doença, 35% dizem que isso não fez com que tivessem mais cuidados com a saúde. Do ponto de vista da biomedicina, que impacto têm os atrasos no diagnóstico na eficácia dos tratamentos?

Os atrasos no diagnóstico, que os números nos dizem continuar a serem particularmente frequentes entre os homens, têm um impacto muito significativo na eficácia dos tratamentos. Em doenças silenciosas, como muitos tipos de cancro ou infeções crónicas, a ausência de sintomas nas fases iniciais contribui para que o diagnóstico só ocorra em fases avançadas, quando as opções terapêuticas são mais limitadas e menos eficazes.

Do ponto de vista biomédico, isto pode significar uma menor resposta aos tratamentos, maiores taxas de complicações e um prognóstico menos favorável. Para o indivíduo menos tempo de vida de qualidade. E para sociedade custos acrescidos com tratamentos mais prolongados, menor produtividade dos indivíduos em causa e acima de tudo mais indivíduos com menos qualidade de vida na sociedade. Investir em estratégias que promovam o rastreio precoce e a vigilância proativa — especialmente entre todos aqueles que são mais avessos a procurar ajuda, como parece ser o caso dos homens — é, portanto, essencial para aumentar as taxas de sucesso terapêutico e salvar vidas.

A ciência tem revelado que há diferenças biológicas e imunológicas entre homens e mulheres. Uma abordagem de saúde mais personalizada — por género, idade ou perfil genético — pode ser uma chave para melhorar o autocuidado dos homens?

Sem dúvida. A biomedicina já demonstrou que existem diferenças substanciais entre homens e mulheres no que diz respeito à resposta imunitária, metabolismo, risco de determinadas doenças e até à forma como metabolizam medicamentos. Uma abordagem mais personalizada, que tenha em conta não apenas o sexo biológico, mas também a idade, o historial familiar e o perfil genético individual, pode ser decisiva para melhorar os resultados em saúde — e, de forma muito importante, para promover um autocuidado mais eficaz e sustentável. Esta personalização pode ajudar os homens a sentirem que a medicina está mais próxima da sua realidade específica, encorajando-os a procurar cuidados de forma mais proativa e informada. Importa, no entanto, sublinhar que promover a saúde masculina não significa descurar os restantes. A boa medicina — e, em particular, uma saúde pública eficaz — deve assentar na compreensão das diferenças biológicas, sociais e culturais entre indivíduos, mas sempre com o objetivo de garantir equidade no acesso, na prevenção e nos resultados. Independentemente do sexo biológico, da idade, da origem social ou do contexto económico, ninguém deve ficar para trás. A saúde de todos depende do cuidado de cada um — e uma sociedade mais saudável começa com políticas e práticas que reconheçam a diversidade, mas que atuem de forma integrada e inclusiva. Para mim, vida com qualidade significa viver com saúde, com propósito e com equilíbrio — e garantir que todos tenham essa possibilidade, independentemente da sua origem ou condição.

Nome: Maria Manuel Mota

Idade: 54 anos

Profissão: Cientista e CEO do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular

Resumo profissional: É CEO do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular, em Lisboa. É também professora convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Destaca-se internacionalmente pela investigação sobre a malária, área em que tem feito descobertas relevantes. É vencedora de diversos prémios científicos e esteve envolvida no desenvolvimento do primeiro teste serológico português para a Covid-19.

Lema de vida: Vida com qualidade

“A Saúde do Homem” é uma iniciativa que visa retratar os cuidados de saúde da população masculina e sensibilizar a sociedade para a importância da prevenção e do tratamento de doenças que a afetam. Um projeto Expresso, com o apoio da Johnson & Johnson Innovative Medicine e o apoio institucional da Ordem dos Médicos.

Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa