Não há muito tempo — sensivelmente 10 anos —, entre pedir e fechar um crédito à habitação demoravam-se uns 60 a 70 dias. Eram quase dois meses e meio para ter um OK para comprar uma casa. “Hoje é possível fazê-lo em 30 dias”, conta Miguel Belo de Carvalho, administrador do Santander Portugal. Parece na mesma muito tempo, porque hoje quer-se tudo num clique, mas é uma grande evolução para um processo que envolve muito dinheiro e uma decisão que vai ter peso nas pessoas e nas famílias durante uns 15 a 20 anos.
Principalmente agora que as casas a preços mais acessíveis desaparecem do mercado num ápice, repara Francisco Ferreira Lima, CEO da Maxfinance. De acordo com José João Guilherme, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos (CGD), “o que é crítico é que a compra de uma casa não seja mais um processo burocrático, e isto acontece hoje. A rapidez é o que pesa. O tempo é fatal e talvez mais importante que o preço, e aí a digitalização tem um papel fundamental”.
Esta rapidez é, de facto, uma das vantagens da transformação digital que o mercado imobiliário, a banca e o crédito à habitação conheceram nos últimos anos. “O digital veio trazer uma conveniência que antes não existia”, repara João Mello Franco, administrador do Banco CTT. Por exemplo, as pessoas podem “comparar as propostas no conforto da sua casa, já não precisam de visitar vários imóveis”, e podem entregar “muita da documentação à distância e reduzir deslocações desnecessárias”. Além disso, acrescenta José João Guilherme, “permite escolher melhor o banco e as condições”, e nisto os Intermediários de Crédito (IC) têm tido um papel fundamental. Ou seja, não foi só a transformação digital a melhorar os pedidos de crédito.
A regulação dos IC, em 2018, veio profissionalizar este sector, cujo trabalho é perceber quanto uma pessoa ou família tem para gastar, procurar o crédito e as condições que mais se adequam junto dos bancos com quem têm contratos, fazer simulações de quanto se fica a pagar por mês e durante quanto tempo e depois encaminhar para o banco escolhido. Tudo gratuito, uma vez que são os bancos que contratam os IC para os ajudar na angariação de créditos. “Não trabalhamos com todos, há uma triagem, e o mais importante é a confiança. O banco paga por um serviço que é quase uma pré-análise do cliente e do empréstimo”, salienta Sandra Ramos Dias, diretora de marketing e parcerias do Novo Banco.
Acresce que os IC têm um papel de descodificador do “banquês”, salienta Francisco Ferreira Lima, e por isso é que Rui Lopes, CEO da Simplefy, defende que apesar de este sector ser altamente digitalizado — porque o acesso às condições dos empréstimos e aos dados dos clientes e as simulações são feitos de forma digital — ainda é preciso “uma cara”. Realça que o cliente que quer comprar casa “não acorda um dia a pensar fazer um crédito. O crédito é um meio para atingir um sonho”.
Créditos aprovados, mas sem imóveis
O nível de eficiência com que se aprova um crédito hoje esbarra, contudo, num problema: os preços das casas. Até os jovens que conseguem a garantia pública, uma medida introduzida pelo anterior Governo para estimular o mercado, têm dificuldades. “Os dados mais recentes do Banco de Portugal dizem que 46% do crédito à habitação feito no primeiro trimestre deste ano foi para jovens e com a garantia do Estado, mas os jovens não encontram casa para o valor que têm. Não há dados oficiais, mas estima-se que entre 20% a 30% destes jovens tenham propostas [de crédito] aprovadas mas sem imóvel”, conta Tiago Vilaça. De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Intermediários de Crédito Autorizados (ANICA), a garantia pública, como qualquer outra intervenção do Estado, veio estimular a procura e a oferta, “mas não fez baixar os preços”.
Miguel Belo de Carvalho até defende que “é preciso mais regulação para promover a oferta, porque estamos com um problema de oferta”, mas rejeita que seja preciso mais regulação na banca e nos Intermediários de Crédito. Aliás, no caso dos intermediários, Tiago Vilaça diz que “está na altura de aliviar um bocadinho” porque “fomos além do que a diretiva europeia obriga”, nomeadamente na possibilidade de uma empresa referenciar outra, nota Vítor Pereira das Neves, sócio da Morais Leitão.
Porém, não parece estar prevista uma revisão. Segundo Pereira das Neves, a diretiva europeia que deu origem à regulação portuguesa deveria ter sido revista em 2021 mas, em vez disso, decidiu-se fazer um balanço e abrir uma consulta pública que se prolongou até 2024. O objetivo principal era perceber se a lei estava a funcionar na proteção do consumidor, “e nesse aspeto correu bem”. Além disso, “quis-se fazer o balanço também por causa da digitalização”, e também “não se mudou”, ou seja, “uma das leituras que se faz é de que está tudo bem”, diz. “Não vejo problema que a digitalização suscite que a regulação atual não resolva”, remata.