Projetos Expresso

“Tentamos, mas não encontramos o equilíbrio”

Portugal. Há zonas conhecidas pelas cheias que agora apresentam sinais de seca. Há cheias inesperadas em zonas onde a seca é evidente e outras ainda onde, por mais soluções que o homem encontre, vão estar sempre em risco de inundar ou de secar

Lojas e casas alagadas e destruídas e rios e terrenos secos tendem a ser uma paisagem cada vez mais frequente, é o que dizem os especialistas em água e alterações climáticas. Quem vive estes eventos exige soluções imediatas para atenuar os impactos, porque nunca se sabe quando eles voltam a aparecer

Foi “com o coração nas mãos” que Patrícia Napoleão viveu a quinta-feira passada, um dos dias mais chuvosos deste inverno. A loja dos pais que ela e a irmã gerem fica na Rua Fradesso da Silveira, em Alcântara, uma das mais propensas a alagar quando há chuvas fortes em Lisboa. E as cheias do final de 2022 que ali ocorreram ainda estão muito presentes na memória. “Tivemos um metro de altura de água. Galgou as chapas de proteção na porta e, entre outras coisas, apanhou o vinho em caixas de cartão e destruiu 400 queijos amanteigados. Até fez saltar a tampa do esgoto”, diz. Uns metros acima, a loja de eletrodomésticos de José Costa também ficou inundada nesse final de 2022. “Destruiu-me a loja toda e o armazém”, conta com pesar, porque sabe que pode acontecer de novo. “Na quinta-feira só não foi pior porque coincidiu com a maré baixa”, argumenta. E não há forma de proteger a loja? “Não”, afirma com veemência. “Tenho ali as chapas, está a ver”, diz, apontando para duas placas de metal escondidas atrás da porta. “Mas com a pressão com que a água vem salta tudo.” É que “Alcântara está numa zona baixa e recebe a água que vem da Ajuda, Monsanto ou Amadora”, explica Davide Amado, presidente da Junta de Freguesia.

Esta confluência geográfica, mais a proximidade do rio e a possibilidade de as chuvas fortes coincidirem com a maré alta, enchendo os esgotos sobredimensionados para a zona, faz com que “seja quase impossível não haver cheias aqui”, porque não há por onde escoar a água. Em falta está, por exemplo, a substituição do coletor da Rua Luís de Camões por um maior, de 1,80 metros de diâmetro, repara Davide Amado, que, tal como Patrícia Napoleão, está expectante com o primeiro dos dois túneis de drenagem que a autarquia lisboeta está a construir e que deverá estar pronto em 2026. “Quando há estes fenómenos em que chove muito, muito, muito, é difícil não haver cheias”, alerta o presidente da junta. E, segundo Manuela Moreira da Silva, professora na Universidade do Algarve, estes eventos tendem a ser cada vez mais frequentes, violentos e inesperados, não só no tempo mas também na zona onde acontecem. As cheias do ano passado em Olhão, no Algarve, ou em Valência, Espanha, são exemplos disso.

“Tentamos, mas não encontramos o equilíbrio perfeito”, vinca Diogo Santos, lembrando que às vezes nem a intervenção humana consegue fazer frente à força da natureza. E Diogo lida com ela todos os dias. Com 31 anos, é um dos responsáveis da Promartur, uma empresa de passeios de barco sediada em Escaroupim, uma pequena aldeia junto ao Tejo, entre o Carregado e Santarém. Conhecida como zona de cheias, hoje caminha para uma situação de seca fraca a moderada, segundo as definições científicas. A paisagem ainda é verde e frondosa e o rio ainda corre, mas nota-se o caudal mais baixo, de tal forma que a água do mar entra pelo rio acima. “Aqui já se pescam robalos [de mar] há quatro anos”, conta. É assim até à ribeira de Santarém, onde é mais visível a situação de seca. “Aí não é possível navegar. No verão tem uns 30 centímetros de água e quase dá para atravessar o rio a pé.”

E não é de agora. Maria José vive em Valada do Ribatejo, um pouco acima de Escaroupim, perdeu o marido há dois meses e conta que “há coisa de um ano, quando ia com ele a Santarém carregar areia com o camião, via-se bem a falta de água no rio, ali junto à ponte velha [Dom Luís I]”. As últimas grandes cheias que ali aconteceram já foram há 46 anos. A placa cravada na pedra junto à praia fluvial de Valada mostra-o bem: “Nível da cheia 11-2-79”, lê-se. Agora é ver o caudal a descer e as atividades a desaparecer, segundo Pedro Canavarro, da Casa-Museu Passos Canavarro. E “tem a ver com tudo”: com a gestão das barragens, o aumento do consumo, a maior quantidade de areia no fundo do rio por causa do fim da profissão de guarda-rios e, claro, o clima, cada vez mais incerto e instável. “Por mais cálculos que façamos, há coisas que nem imaginamos”, avisa a professora da Universidade de Coimbra Maria da Conceição Cunha.


Abacate paga mais pela água

Agricultura Uma cultura de abacate, em crescimento no Algarve, paga mais pela água que consome do que uma cultura de arroz. A conclusão está no estudo “O valor económico da água em Portugal”, no qual se detalha que o arroz paga €0,08/m3 e o abacate €2,654/m3.


5,7%

é a previsão de aumento do consumo urbano de água em 2030, de acordo com o estudo mencionado, da autoria do professor Miguel Gouveia. Os objetivos nacionais e europeus são, contudo, de manter os consumos ao nível de 2021 e, para isso, escreve-se no estudo, “é necessário subir o preço real da água cerca de 25,7%, de €2,545/m3 em 2021 para €3,198 em 2030


Precipitação cai e consumo aumenta

Clima A diminuição da precipitação em Portugal e o aumento do consumo — tanto urbano como na agricultura — são as duas principais causas para a existência de situações de escassez e, consequentemente, de seca. De acordo com a professora Manuela Moreira da Silva, a precipitação caiu entre 25% a 30% nas últimas três décadas e o consumo cresceu cinco vezes desde os anos 1970. Ainda assim, Portugal é um dos países da Europa onde chove mais (ver gráfico em baixo).