A relação de Portugal com a ciência é, dirão alguns especialistas, suis generis. Por um lado, o país tem como objetivo atingir, até 2030, um investimento anual em atividades científicas equivalente a 3% do PIB, mas, por outro, o orçamento real público cresce a uma velocidade muito reduzida. “O financiamento é, por si só, crítico para a atividade dos investigadores”, reconhece Jorge Soares, perito em Anatomia Patológica e membro efetivo da Academia das Ciências de Lisboa.
De acordo com a Comissão Europeia, “Portugal tem vindo a convergir com os países mais avançados da Europa” em matéria de financiamento de investigação e desenvolvimento (I&D), “mas tem ainda um caminho a percorrer”. Nos sete anos do Horizonte 2020, destaca o organismo, o país angariou mais de €1,1 mil milhões, perto do dobro face ao quadro de financiamento anterior. Mas como é que isso se traduz no objetivo definido para 2030?
Segundo os números oficiais, em nada. Desde o ano 2000 que o contributo do Estado para I&D tem vindo a cair de 0,17% do PIB, no início do milénio, até atingir o mínimo de 0,07% em 2012, entre 2017 e 2019, e novamente em 2022. No ano passado, os dados agregados pela Pordata indicam um crescimento residual para 0,08%.
De onde vem, então, o financiamento à ciência? Do total investido em 2023 (1,69%), a maioria (1,06%) tem origem nas empresas, seguido do investimento do Ensino Superior (0,51%). “O emprego científico, tal como em outras atividades humanas, pode gerar instabilidade nos investigadores, que também se defrontam com o fraco cumprimento dos procedimentos regulares de candidatura a financiamento público”, assinala Jorge Soares.
12º
é a posição ocupada por Portugal entre os Estados-membros da União Europeia em matéria de investimento, em percentagem do PIB, em atividades de investigação e desenvolvimento. A Suécia lidera a tabela com 3,57% de investimento
Com a aprovação do Orçamento do Estado para 2024, o Governo reduziu o orçamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) em cerca de €68 milhões, que Fernando Alexandre, ministro da Educação, da Ciência e da Inovação, justificou parcialmente com a diminuição da parcela de fundos europeus que compunha o orçamento da instituição. O executivo fala ainda na transferência de receitas de impostos para a FCT, para fins de financiamento, mas sem detalhar como e através de que medidas.
Certo é que, nas últimas semanas, um grupo de 26 cientistas portugueses escreveram uma carta aberta em que se pede que os partidos cumpram as promessas eleitorais de aumento do financiamento público à ciência. “Para evitar perder décadas de investimento e progresso, é vital fazer mudanças profundas”, escrevem, dizendo ainda que é “fundamental adotar um roteiro estratégico, bem financiado e menos burocrático, para a ciência”.
“A curtíssimo prazo, é urgente reconhecer que, apesar destas promessas, navegamos em sentido contrário. O Orçamento do Estado (OE) agora em discussão não só não cumpre este objetivo de aproximação, como até reduz o financiamento previsto da FTC”, lamentam os subscritores.
“É preciso reconhecer este tipo de esforço através de benefícios ficais que estimulem o mecenato científico, não só das empresas com interesses diretos no sector da saúde e bem-estar, como de outras que atuam noutras áreas, e também o mecenato individual”, sugere Jorge Soares
“Não estou certo se a FCT, enquanto agência financiadora pública, teve uma redução orçamental “real”. Mas como o financiamento é crítico para o desenvolvimento dos projetos científicos, haverá que encontrar outras fontes que disponibilizem recursos para o trabalho dos cientistas”, aponta Jorge Soares. O especialista destaca a importância de apoios privados, como os concedidos desde 2013 pelo Programa Gilead Génese, para potenciar o desenvolvimento científico do país. É preciso, defende, estimular “o mecenato científico”.
O programa regressa agora para a 10ª edição, a que o Expresso se volta a associar como media partner, para distinguir projetos em duas categorias: Investigação e Comunidade. Desde o arranque da iniciativa, já foram distinguidos 124 projetos, apoiadas 50 entidades e investidos mais de €2,83 milhões.
“O apoio a organizações da sociedade civil que intervêm junto de grupos específicos de doentes é pouco cultivado no nosso país”, afirma Jorge Soares, que reconhece a importância deste tipo de mobilização. “Estes projetos refletem a responsabilidade das comunidades na saúde, enquanto bem comum, tornando-as mais interventivas como provedores dos melhores interesses de certos grupos de doentes crónicos especialmente vulneráveis”, remata.
Maria Eugénia Saraiva, presidente da Liga Portuguesa Contra a SIDA, não tem dúvidas de que “as associações ou organizações de base comunitária têm desempenhado um papel crucial na promoção da saúde pública” e que “complementam a oferta do SNS, especialmente em áreas onde há dificuldades no financiamento”. Porém, a valorização e o apoio que recebem “é diminuto”, inclusive instituições como a Liga, que este ano celebra o seu 35º aniversário. “Apelamos ao Estado que aposte nestas organizações”, pede.
O trabalho em rede e as parcerias são, acredita a líder, essenciais, em especial quando juntam a academia, a indústria farmacêutica e os representantes dos doentes. “A sinergia entre esses sectores cria um ecossistema de saúde robusto, onde cada parte complementa a outra, resultando em melhores resultados para a saúde da comunidade”, reitera.
As candidaturas à 10ª edição do Programa Gilead Génese já estão encerradas e os vencedores serão conhecidos a 11 de fevereiro, numa cerimónia pública que decorrerá no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
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