“A imagem do sector é muito negativa”. A frase foi proferida por Fernando Santo, antigo Bastonário da Ordem dos Engenheiros, mas repetida vezes sem conta ao longo desta sexta-feira durante a III Conferência Construção em Movimento, organizada pela Transfor e à qual o Expresso se associou como media partner. Em Vilamoura, especialistas e empresários defenderam a aposta em novas técnicas de construção, investimento em inovação e, sobretudo, a diminuição da burocracia nos licenciamentos.
“Acho que devíamos ter três níveis de regulamentos [para o sector]. O que temos é o mais elevado para produzir habitação de luxo, mas precisamos de regulamentos que permitam reduzir os custos até chegar a 30% ou 40% abaixo do que temos”, sugeriu. “A construção não existe para fazer obras faraónicas. Existe para desenvolver o país”, lembrou.
A realidade dos números pinta um retrato negro sobre as últimas duas décadas para um sector que, diz Fernando Santo, ficou desfalcado em capacidade de investimento e em número de trabalhadores. A causa? O perito lembra que, em 2011, o país produzia mais de 90 mil casas por ano, enquanto nos dez anos seguintes foram construídas apenas 122 mil habitações. “É menos do produzido no ano de 2002 em que foram 115 mil fogos. Em 2015, foram sete mil”, lamenta.
A crise do subprime, da covid-19 e, mais recentemente, da inflação e dos conflitos geopolíticos são, na perspetiva de António Saraiva, parte da justificação para a perda de músculo do sector. É preciso inverter a realidade, mas, para isso, é também necessário voltar a apoiar a iniciativa privada, defende. “Ainda hoje, passados 50 anos do 25 de abril de 1974, temos sobre os empresários e as empresas uma leitura perversa, porque ao invés de dignificarmos os empresários, penalizamo-los, e ao invés de promovermos a iniciativa privada, sugamo-la com uma carga de impostos asfixiante”, afirma o presidente do Conselho Estratégico da Transfor e antigo líder da CIP – Confederação Empresarial de Portugal.
A este propósito, o secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado, esteve no evento para pedir que sejam desfeitos “mitos” que, na sua opinião, têm prejudicado o desenvolvimento do país. “Desde logo, o mito urbano de que a construção, no caso do turismo, está a tirar casas às pessoas porque está a conduzi-las ao alojamento local. É mentira”, assegura. O que falta, assinala, é mais construção e mais dispersão dos turistas pelo território nacional. “Não há turismo a mais, o que existe é pressão”, insiste.
Ao longo da tarde desta sexta-feira, a conferência contou ainda com dois painéis de debate focados nos desafios do sector e da inovação, que contaram com a participação de João Bugalho (Arrow Global Group), Tiago Marto (Transfor), António Ramalho (gestor), Miguel Alegria (Engexpor), Tiago Belo (Solyd), Cláudia Antunes (Building Smart Portugal), Samuel Torres de Carvalho (STC Arquitetura) e Jorge Balsas (Transfor Indústria).
Houve ainda tempo para o anúncio de um novo empreendimento na região do Algarve, o Hub Empresarial do Algarve, projeto liderado pela Transfor que promete 132 mil metros quadrados de complexo industrial. Ali vão nascer espaços comerciais e industriais, espaços sociais e alojamento temporário com capacidade para 400 pessoas. Veja, abaixo, as principais conclusões do evento.
Industrialização é o caminho
- Parece ser consensual entre empresários e especialistas que parte da solução para o sector passa, necessariamente, pela industrialização. Isto significa padronizar, produzir em série e em escala, o que permitirá, defendem, acelerar as obras e reduzir custos. “A inovação passa muito pela industrialização, pelo uso de tecnologias que muitas vezes só em fábrica é que se consegue usar. Pela nossa experiência, isto elimina bastante a pegada carbónica”, garante Tiago Marto.
- Porém, alerta João Bugalho, “não vai acontecer em dois ou três anos”, ainda que reconheça que esse deve ser o caminho para que seja possível alcançar níveis mais elevados de sustentabilidade, mais eficiência e, em consequência, mais habitação disponível no mercado.
- Os oradores defendem ainda que as fusões e parcerias entre empresas sejam incentivadas, já que, aponta Miguel Alegria, Portugal tem organizações “muito pequenas que se tornam menos eficientes e conseguem inovar menos”. A “inovação de processos” é fundamental para combater as dificuldades da mão de obra e dos custos, sugere António Ramalho.
- A falta de recursos humanos é outro dos grandes desafios que os empresários desta atividade enfrentam. Não por remunerações baixas, sublinham, mas pelo que consideram ser um desencanto com o sector. “Ainda agora fizemos uma parceria com a Universidade de Coimbra em que havia bolsas para alunos e nem assim conseguimos ter alunos a inscrever-se, mesmo com o curso pago. Alguma coisa está a falhar”, exemplifica Jorge Balsas.
- É preciso tornar esta área mais atrativa e isso implica inovação nos processos, dizem os peritos. “Hoje não se pega em pesos na construção. Há encarregados a ganhar €5 mil”, aponta Tiago Marto. A solução, defendem, implica uma estratégia multidisciplinar, assente na disrupção e na formação.
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