Projetos Expresso

Vidro e cerâmica com cinco mil empregos em risco

Tecnologia. Estudo revela que fabrico industrial é o sector mais afetado negativamente pela automação. 
Prevê-se ser possível automatizar 50% do tempo de trabalho até 2030, de um potencial de 84% das atividades

Em 2022 existiam 1162 empresas de cerâmica e 17 de cristalaria. Maior parte da exportação destina-se à União Europeia
Rui Duarte Silva

O sector da cerâmica e do vidro tem mais de 20 mil trabalhadores, aos quais o processo de inovação e transição tecnológica, necessário à descarbonização e competitividade da indústria, coloca inúmeros desafios. Dificuldades na literacia e competências digitais, carências de ordem técnica e tecnológica nos processos de fabrico, e ferramentas escassas para a capacitação dos recursos humanos são algumas das barreiras apontadas no estudo “O futuro do trabalho nos sectores da cerâmica e cristalaria”, conduzido pelo Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV), com a parceria da Universidade Nova de Lisboa.

O documento revela que o fabrico industrial é o mais afetado negativamente pela automação em termos de emprego, sendo grande a diferença entre os trabalhos que se perdem e os que se ganham no sector da cerâmica e cristalaria, o que resulta na perda de quase cinco mil postos de trabalho. “É a diferença entre as novas profissões que surgem e as atuais que são eliminadas”, explica Sandra Carvalho, head of academy and external communication na CTCV.

“Este sector tem um potencial de automação de 65 a 75% até 2030, de um potencial de 84% das atividades de trabalho”, continua Sandra Carvalho, que alerta ainda para a importância da capacitação dos recursos humanos. “Habilitações indiferencia­das, recursos humanos pouco qualificados e culturas distintas, potenciadas pelo aumento da imigração, são fatores que tornam as pessoas como tema central da transição digital e a sustentabilidade obriga a ter pessoas mais capacitadas,” diz.

Também Nuno Gonçalves, administrador no IAPMEI, refere que as empresas sofrem com esta falta de competências. “À medida que aumentamos a tecnologia temos de investir na formação e literacia”, disse no ECP Green Summit’24, realizado pela APICER — Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica, onde se discutiram os caminhos e desafios para a descarbonização do sector.

Apoio de 100 milhões

A capacitação da força de trabalho, a par da sustentabilidade energética, economia circular e simbioses industriais, e transição digital, são os pilares da Agenda Mobilizadora Ecocerâmica e Cristalaria de Portugal, apoiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) com uma verba de €100 milhões, e uma subvenção de €46 milhões.

“Deste valor, foram já pagos €15 milhões em subvenções. Devemos ainda acrescentar um conjunto de projetos na área da descarbonização e do reforço de medidas de eficiência energética, que ultrapassam os €10 milhões em subvenções, num investimento total superior a €20 milhões”, diz Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, relembrando que este sector representa cerca de 1,4% do PIB nacional e que as exportações estão fortemente presentes, situando-se o país “no top 15 mundial e no top quatro a nível europeu”.

DIÓXIDO DE CARBONO E VENDAS

13

milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (Mt de CO2e) é a meta de Portugal em emissões em 2050. Em 2015 Portugal emitia 68 Mt de CO2e


75%

das vendas no sector da cerâmica são exportações, e com um saldo positivo em termos de balança comercial a nível europeu de mais de €5 mil milhões


O caminho do sector da cerâmica para a descarbonização será longo e assente no desenvolvimento de tecnologia, que, em alguns casos, ainda não está disponível de forma competitiva, mas a indústria já traça um caminho. “Sabendo que a combustão representa cerca de 64% das emissões, o gás será substituído por soluções de biogás e biomassa, hidrogénio verde e eletrificação, quase na mesma medida”, diz Duarte Cordeiro, partner na consultora de sustentabilidade Shiftify, relembrando as perspetivas da European Ceramic Industry Association.

Portugal tem o objetivo de atingir a neutralidade carbónica em 2045, antecipando em cinco anos a meta da Europa, que assumiu este compromisso até 2050. Equilibrar esforço e investimento para o cumprimento desta meta sem descurar a competitividade é um ponto crítico. “Para ganhar competitividade é preciso desburocratizar. Há um custo enorme para quem quer investir”, alerta Carlos Zorrinho, professor catedrático da Universidade de Évora.

Também João Bernardo, presidente do conselho de administração do Centro da Biomassa para a Energia, chama a atenção para a falta de instrumentos de política industrial na União Europeia. “Enquanto os países não tiverem mais flexibilidade nas regras terão dificuldade em apoiar sectores específicos, e nisso os outros dois blocos (China e EUA) ultrapassaram-nos”, diz.

FRASES DO EVENTO

“A Europa está a perder competitividade e terreno para a China e os Estados Unidos”

Teodorico Pais
Administrador da Vista Alegre Atlantis


“Caminhamos para a economia da reciclagem, com recuperação de resíduos da indústria”

Luís Mira Amaral
Advisory consultant na Fnway Consulting


“Temos de criar nova cultura de consciencialização digital para novos modelos de negócio”

Mário Campolargo
Ex-secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa


“Não se consegue fazer uma transição energética sem reforçar o capital humano”

Bruno Veloso
Vice-presidente do conselho de administração na ADENE