Tal Golesworthy ficou conhecido como o “engenheiro que consertou o próprio coração”. O homem, atualmente com 68 anos, sofria desde a infância de uma patologia genética — síndroma de Marfan — que afeta o funcionamento da aorta e reduz significativamente a qualidade de vida. Há cerca de 20 anos, insatisfeito com a resposta da Medicina, e depois de uma vida passada entre medicação e cirurgias, criou uma manga de poliéster feita à medida que se ajustava à sua aorta e resolvia o problema que, até então, nenhum médico conseguira resolver. Uma década depois da cirurgia que lhe salvou a vida, a invenção de Tal Golesworthy já tinha salvo outras 40 pessoas com o mesmo problema. Atualmente são centenas os que vivem com o dispositivo inventado, provas vivas de que muitas vezes as soluções para os problemas estão ‘fora da bolha’ dos peritos.
O exemplo deste engenheiro, lembrado por Pedro Oliveira, diretor executivo da Nova SBE, durante a sua intervenção na conferência “Portugal, AI e o futuro: tecnologias emergentes e oportunidades no atendimento ao cliente”, que marcou a celebração dos 30 anos da Teleperformance em Portugal, reflete as possibilidades que a utilização da tecnologia, nomeadamente da inteligência artificial (IA), pode aportar à inovação.
Pedro Oliveira diz isto porque o caso de Tal Golesworthy acabou por inspirar a criação da plataforma online Patients Innovation — da qual são parceiras algumas universidades portuguesas e internacionais, a Fundação Calouste Gulbenkian, entre outras empresas e instituições — onde, como o apoio de tecnologia, doentes e cuidadores de todo o mundo se ligam para partilhar soluções que os próprios desenvolveram, ou que criaram com a ajuda de um médico para ultrapassar um desafio imposto por um problema de saúde.
“É um exemplo da tecnologia com um propósito comunitário e onde a IA tem um papel preponderante”, explica Pedro Oliveira. A plataforma agrega, até ao momento, mais de 5 mil inovações desenvolvidas neste modelo de partilha. “A IA está a revolucionar a forma como pensamos a inovação, os processos e o empreendedorismo”, sublinha o diretor da Nova SBE.
Eficiência, inovação e satisfação
Melhorar a vida e a experiência dos clientes, garantir a eficiência no atendimento e gestão do suporte ao consumidor, e ter retorno económico é o objetivo de qualquer empresa ou marca, como assumiu Bruno Nogueira durante o painel de debate que integrou. Numa época em que o cliente está cada vez mais informado, exigente e difícil de fidelizar, a escolha da tecnologia para automatizar o atendimento, garantindo igualmente a personalização da jornada do consumidor é um enorme desafio, reconhece o CIO do Bankinter Portugal. “Estamos a dar os primeiros passos na utilização da IA, mas a ter em conta todas estas questões”, assume.
Uma opinião partilhada por Jorge Graça, que defende que a chave do êxito na relação com o cliente é o equilíbrio entre automatização e personalização. “Trata-se de adicionar ao elemento humano os superpoderes da IA”, reforça o administrador e CTO (Chief Technology and Information Officer) da NOS. Com este modelo, acrescenta, “a qualidade de atendimento e das interações é muito superior”.
Na perspetiva de Catarina Ceitil, a introdução da tecnologia no atendimento ao cliente “deve ser encarada como um assistente e nunca como substituição das pessoas”. A CIDTO (Chief Information Data and Transformation Officer) da Galp exemplifica: “Os nossos técnicos usam a IA para pesquisar mais rapidamente a informação necessária à resolução do problema, mas o apoio continua a contar com o elemento humano.”
A questão essencial neste ponto é, para Adolfo Mesquita Nunes, que abordou os desafios da introdução da IA no mundo empresarial em geral, até onde vai o poder de substituição de pessoas por máquinas? O advogado da Pérez-Llorca e professor na Nova SBE e Nova School of Law defende o equilíbrio de que falavam os participantes no debate mas alerta para a importância da humanização e da empatia nas soluções tecnológicas. No entanto, para que a relação com o cliente seja, de facto, eficiente e satisfatória, “é essencial o cuidado de ter ferramentas suportadas em informação e em dados de qualidade”.
IA ajuda a criar experiências ‘uau’
A utilização de chatbots é provavelmente a face mais visível da presença de ferramentas de IA no atendimento ao cliente. Mas, mais do que automatizar o contacto direto com o consumidor, a IA abre um conjunto de oportunidades para redefinir a jornada do cliente, quer através da personalização, quer contribuindo para a construção de uma experiência inovadora, distintiva e que satisfaça e surpreenda o público-alvo. Um trabalho que nasce da criatividade dos departamentos de marketing e que em Portugal já se materializa em inúmeras iniciativas. Aliás, a apetência dos profissionais nacionais é quantificada num estudo da Salesforce, empresa especializada em software na área do marketing e das vendas, que revela que 72% dos marketeers nacionais já implementaram ou estão a testar a implementação da IA no seu trabalho e nas soluções das suas empresas. A grande dificuldade, aponta a mesma fonte, continua a ser a integração dos dados e a qualidade dos mesmos.
IA, DIGITALIZAÇÃO E CONSUMIDORES, EM PERCENTAGEm
25%
é a taxa de crescimento anual estimada da IA entre 2023 e 2027, revela a IDC. Portugal deverá investir €100 milhões em 2024
61%
das empresas em Portugal aceleraram a digitalização dos seus negócios nos últimos 18 meses, 35% das quais através do investimento em IA
60%
dos consumidores esperam agilidade, personalização e rapidez no apoio automatizado ao cliente, revela estudo do GroupM