Em pouco mais de uma década, entre 2010 e 2022, a produção de amêndoa com casca em Portugal aumentou cerca de 40 mil toneladas. O crescimento não é um mero acaso, mas antes resultado de um forte investimento na expansão de terra cultivada, em particular na região do Alentejo, onde o Alqueva fez brotar mais de 26 mil hectares de amendoeiras em regime intensivo ou superintensivo. “As regiões típicas eram o Norte e o Algarve. O Alqueva veio dar um ânimo muito grande à produção de amêndoas, porque disponibilizou água numa região em que passou a ser possível fazer esta cultura”, assinala Carlos Araújo.
O proprietário da Amendouro, responsável pelo processamento e transformação da matéria-prima em Alfândega da Fé, diz ser preciso continuar a investir na expansão agrícola, mas fazer acompanhar esse crescimento de mais indústria. “Estamos a produzir com alguma quantidade. Mas temos de conseguir reter muito mais valor depois da produção”, acrescenta. E, de facto, esse é um dos grandes objetivos do sector, que se reuniu ontem, quinta-feira, em Beja, a propósito do III Congresso Portugal Nuts. A maioria das amêndoas made in Portugal tem como destino a exportação, em particular para Espanha, que tem uma das maiores quotas do mercado internacional, depois dos Estados Unidos e da Austrália, respetivamente.
No panorama internacional, a produção nacional dá ao país uma modesta quota de 1%. Mas a associação Portugal Nuts — que representava, em 2022, cerca de 25% da área total de amendoal no país — acredita que é possível duplicar este valor e o país tornar-se, assim, no “quarto maior produtor mundial de amêndoa”. Se falarmos apenas em miolo de amêndoa, o diretor-executivo da instituição, António Saraiva, diz ser realista passar das 20 mil toneladas que estima terem sido colhidas em 2023 para cerca de 60 mil. “Acreditamos que seja possível em cinco anos”, sublinha. Mas para o ano passado prevê um crescimento de 20%.
Valorizar o fruto português
Um dos temas em destaque no certame desta área foi o debate sobre a flutuação do preço da amêndoa no mercado mundial, que Pedro Ferreira, diretor financeiro da Rota Única, reconhece estar em baixa. “A questão do preço é, de facto, uma coisa que nos preocupa, porque nos últimos anos os preços têm estado bastante deprimidos. Em 2019, e tendo como referência os valores da Califórnia, andávamos em torno dos 5,40 dólares por quilo. Em 2023 rondou os 3,08 dólares”, detalha. A quebra é superior a 40%, mas com perspetivas de, a curto-médio prazo, retomar a tendência de subida.
“Como tudo na vida, isto é cíclico, e as previsões para daqui a dois anos que nos chegam dos EUA são muito positivas”, assegura João Matos. Produtor a solo e sócio na Almibéria, unidade de processamento e transformação de amêndoa em Beja, está confiante que o crescimento de hectares dedicados à cultura vai permitir “ter quantidade e qualidade para disponibilizar aos compradores europeus”, em especial aos da Europa do Norte.
Preço da amêndoa no mercado internacional caiu mais de 40% entre as campanhas de 2019 e 2023. Produtores esperam recuperação a médio prazo
Esse é, de resto, o objetivo da Portugal Nuts: conquistar o mercado comunitário com a amêndoa portuguesa, dificultando a vida ao produto que chega do outro lado do Atlântico, com variedades americanas e maior pegada ambiental.
Continuar a investir na indústria é, por tudo isto, fundamental. Só assim, com mais unidades de processamento e transformação, é que Portugal será capaz de explorar a cadeia de valor dos frutos secos — em particular da amêndoa — e assegurar maior valor acrescentado para a economia nacional.
“Precisamos de uma estratégia de promoção da amêndoa portuguesa”, insiste Carlos Araújo, uma afirmação que merece concordância de todos os auscultados pelo Expresso. “Esse é um dos desafios”, confirma a associação sectorial representada por António Saraiva.
Respeito ambiental é crucial
Ao contrário do que acontece nas plantações tradicionais, em regime de sequeiro, cujo consumo de água é apenas aquele que a chuva de cada época oferece à terra, nos novos investimentos que têm feito crescer a produção nacional o consumo de água é medido e planeado. “Um produtor moderno reconhece que a água é o seu bem mais precioso e, como tal, tem de a utilizar da forma mais eficiente possível. É isso que fazemos”, assegura João Matos, explicando que para isso os produtores contam com o apoio da tecnologia, de satélites e sensores.
Rosário Félix, professora na Universidade de Évora, afirma ter “cada vez melhor impressão das produções intensivas ao nível da sustentabilidade” e acredita que, pela maior especialização e formação dos produtores, é hoje possível fazer “um uso sustentável dos recursos”. O sector tem promovido diversas ações de sensibilização e formação para a gestão da água e respeito pelos solos, que a académica diz estarem a surtir efeito. “Os produtores são os principais interessados em garantir a sustentabilidade da produção”, vinca.
NÚMEROs
63.884
é a área total de amendoal, em hectares, de acordo com os últimos dados do INE para 2022
7125
toneladas de amêndoa foram produzidas em cerca de 5,5 mil hectares em todo o país
75%
da quota mundial de amêndoa é dominada pelos Estados Unidos, enquanto Portugal representa apenas 1% do mercado
20%
terá sido o crescimento da produção nacional em 2023, segundo o sector