Projetos Expresso

Ser solidário é trabalhar sem saber o dia de amanhã

Apoios. Com as camadas mais expostas da população a enfrentarem crises sucessivas — da habitação à subida de preços — os trabalhadores das instituições sociais deparam-se com dificuldades nos financiamentos e na recruta de pessoal

Retratos do trabalho de quatro das 133 associações distinguidas nos Prémios BPI Fundação “la Caixa” em 2023, que manifestam agora as suas preocupações
Nuno Fox

Incógnita. É uma palavra que se ouve uma e outra vez em conversas com responsáveis de instituições de solidariedade, confrontados com a própria sobrevivência.

“Para muitas instituições, a situação não é muito fácil”, resume Ana Nogueira, coordenadora do projeto TASSE, da Fundação Santa Rafaela Maria, que aposta na melhoria da inclusão escolar e no aumento das competências e das oportunidades da população da comunidade da Quinta da Fonte da Prata, na Moita. “Temos sempre de procurar formas mais empreendedoras de conseguir continuidade”, revela, com a certeza de que “muitas associações acabam por fechar porque não têm condições para continuar a exercer a sua atividade”. Ana Nogueira relata o “grande número de famílias” — mais do que esperavam — a “morarem juntas num quarto alugado” e a pagarem valores como €400. “Tudo muito desumano e desigual”, considera antes de realçar que, além dos apoios, é também essencial “criar ferramentas de autonomia nas pessoas”.

O Microninho+Imigrante — Incubadora Social e de Inovação é o projeto de apoio à criação de negócios por parte de migrantes laborais da Associação de Desenvolvimento Social e Cultural dos Cinco Lugares. A presidente da direção, Liliana Simões, explica que “as necessidades são muito diversas, pois os migrantes laborais chegam a Portugal muitas vezes sem terem o mínimo e esperam uma integração laboral quase imediata, e isso nem sempre acontece”. O cenário “dificulta um trabalho de qualidade com recursos ajustados ao serviço nas comunidades”, até porque “o aumento do custo de vida, dos produtos mais básicos, das rendas e créditos habitação, combustíveis e outros bens e serviços, associados a uma dificuldade no acesso à saúde, educação de qualidade ou um trabalho digno fazem perigar os direitos básicos dos cidadãos”.

Cerca de 5 mil instituições de solidariedade são responsáveis por mais de 70% da ação social em Portugal

“Há mais de 5 mil IPSS — Instituições Particulares de Solidariedade Social, responsáveis por mais de 70% da ação social em Portugal”, revela o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, Lino Maia, para quem “as condições de sustentabilidade constituem o principal constrangimento” porque, “em média, as suas receitas correspondem apenas a 71% das suas despesas — o que equivale a 33% de comparticipações familiares e 38% de transferências do Estado. Sistematicamente, cerca de 50% chegam ao fim de cada ano com resultados negativos”.

O projeto Vela+, da Seawoman, consiste em aulas de vela dirigidas a pessoas com um mínimo de 55 anos para promover o envelhecimento ativo e a coordenadora, Maria José Ramires, não esconde que se a distinção nos Prémios BPI Fundação “la Caixa” em 2023 permitiu “aprofundar o foco na saúde mental”, fica “sempre uma incógnita se no ano seguinte” haverá “algum apoio que nos permita continuar”.

Helena Santos é a responsável pelo projeto Semear para Formar e Empregar, do Centro de Ação Social do Concelho de Ílhavo — que aposta na produção de cogumelos para capacitar pessoas com deficiência — e destaca que “apesar do aumento do salário mínimo nacional, este sector continua a não ser atraente para fixar os recursos humanos necessários ao bom funcionamento das instituições”. Urge assim “flexibilizar as respostas sociais e o respetivo financiamento, de modo a permitir a criação de soluções diferenciadas e ajustadas aos problemas sinalizados nas comunidades”.

Perante o cenário periclitante, Lino Maia acredita que “medidas políticas, tecnologia, inovação e novos serviços têm de ser verdadeiras apostas” e garante que “nesta legislatura tem de se alcançar uma comparticipação pública equitativa”. E reforça: “Tem de se alcançar; não disse que deve alcançar-se... Sob pena de colapso.”

€5 milhões para ajudar quem 
está no terreno

A edição de 2024 dos Prémios BPI Fundação “la Caixa” — que se divide nas categorias capacitar, solidário, seniores e infância — vai distribuir €5 milhões por instituições privadas sem fins lucrativos que promovam a melhoria da qualidade de vida e a igualdade de oportunidades de pessoas em situação de vulnerabilidade social, o que representa um reforço financeiro face a 2023. A escolha dos selecionados finais, que poderá conhecer ao longo do ano nas páginas do Expresso, faz-se a partir de candidaturas (fundacaolacaixa.pt/pt/premios-bpi-fundacao-la-caixa), com uma avaliação dos projetos, das linhas de ação estabelecidas, e reuniões com todas as associações que progridam para a 2ª fase de avaliação. Desde 2010, já foram atribuídos mais de €32,2 milhões a 1035 projetos implementados por 700 entidades em todo o território de Portugal, o que permitiu alcançar mais de 213 mil pessoas.