Projetos Expresso

Olá, sou a IA. Como posso ajudar nas compras?

Impacto. As ferramentas digitais que recorrem a algoritmos mais e mais poderosos, para não só aconselhar como prever os comportamentos dos consumidores, são uma realidade imparável. O desafio é como adaptarmo-nos

Dez especialistas juntaram-se no edifício Impresa para refletirem sobre os perigos e oportunidades da inteligência artificial generativa
Tomás Almeida

Em resposta à pergunta do título, a inteligência artificial (IA) permitirá aos consumidores conhecerem melhor os seus hábitos e verem-nos refletidos na sua interação com os retalhistas, pouparem tempo nas decisões ou terem uma experiência tão personalizada que quase não sentem a diferença entre ficar em casa ou ir à loja.

O impacto da IA no consumo e retalho já é uma realidade. 35% das empresas em Portugal já adotaram a tecnologia, um crescimento de 25% desde 2022, de acordo com um estudo da Strand Partners. Na opinião de Pedro Cid, “é inegável que a IA está a revolucionar o sector, tornando-o mais ágil, eficiente e centrado no cliente”. O CEO da Auchan Portugal defende que estas ferramentas ajudam, por exemplo, a “criar experiências de compra mais personalizadas, tendo como base os dados de comportamento do consumidor”, e “na gestão de inventário, que nos permite prever a procura de determinado produto e evitar a sua escassez e até mesmo o seu excesso”, sem esquecer que “o atendimento ao cliente altera-se com a implementação de chatbots e assistentes virtuais”, que representam um “apoio na previsão de tendências”.

Mudanças também com impacto na força de trabalho, com Pedro Cid a admitir o possível “desemprego causado pela IA, dado que esta pode substituir empregos tradicionais, especialmente em funções repetitivas ou de baixa qualificação”. Perante esta transformação, o maior desafio “passa pela recapacitação das pessoas”, porque a IA “vai promover a criação de muitas outras novas” profissões, acredita.

Segundo um estudo da Public First, a IA generativa poderá poupar aproximadamente mais de 80 horas por ano a cada trabalhador, e a diretora-geral da Mondelez Portugal, Sandra Vera-Cruz, acrescenta que “as pessoas são o nosso maior ativo”. As novas ferramentas devem permitir aos trabalhadores “focarem-se nas tarefas que são verdadeiramente divertidas e desa­fiantes” e deixar as “rotineiras” para a IA: “Não vejo as máquinas a substituir, mas sim a aumentar a nossa capacidade, enquanto seres humanos, de tomar decisões”, prevê. Paulo Dimas, vice-presidente da Unbabel, reforça: “Uma máquina nunca vai substituir o olhar humano.”

Pequeno passo

Para Paulo Simões, CFO da Worten, “isto é só um pequeno passo, estamos no início” e ainda há um “equilíbrio que tem que ser encontrado” entre as oportunidades e os riscos. “Vivemos um turbilhão de dados”, assume o cofundador da Skyverse, António Raimundo, o que se reflete num aumento exponencial de informação, pelo que “temos que abraçar a transformação, transformar-nos a nós próprios e abraçar a realidade”. Como resume o administrador executivo da Sogrape, João Gomes da Silva, “vamos ter que nos confrontar com dois ou três processos de alteração profunda daquilo que várias gerações assumiram como dado”.

É a nova revolução industrial em curso e, na opinião de Sérgio Ferreira, partner da EY Portugal, a era cognitiva oferece “oportunidade para termos superpoderes” se fizermos uso da imensa panóplia de expansão do conhecimento oferecida pela IA. “Há uns anos perguntei a um executivo do YouTube como é que geriam a homepage [página inicial] do serviço. Ele respondeu-me que não percebia a minha pergunta, uma vez que não tinham uma homepage mas milhões delas”, conta. “Dependiam do equipamento, geografia, momento do dia e da pessoa, tudo em tempo real.” Atualmente, “com a IA generativa podemos conseguir a mesma escala de hiperpersonalização”, com exemplos que vão desde “folhetos personalizados, perfumes que se adaptam à biologia da pessoa ou ainda bonecas que têm a cara da criança que brinca com ela”.

Cerca de quatro em cada dez portugueses (43%) utilizam IA pelo menos uma vez por mês, com 23% a fazerem-no semanalmente, indica um trabalho do Boston Consulting Group, e para Sérgio Ferreira chegámos a um ponto em que “todos podemos ser especialistas”, e não só: “Imaginem a experiên­cia de chegar a uma loja e qualquer vendedor ser capaz de saber tudo sobre qualquer produto.” Com a certeza de que também surge “o desafio de cada um de nós redescobrir qual é o seu papel”. Ao “escalar a personalização”, estão a criar-se “lojas de bairro à escala global”, aponta Carolina Afonso, CEO da Gato Preto, até porque, “à medida que a oferta é personalizada, maior é a probabilidade de conversão” do consumidor ocasional em cliente regular.

76% das empresas de comércio eletrónico a operar em Portugal recorrem a ferramentas de IA, aponta um relatório da Salesforce. Face ao avanço rápido da tecnologia, a União Europeia deu um passo pioneiro ao adotar o primeiro pacote legislativo para a IA no mundo, para também responder às preocupações da população “de ver a sua vida devassada” com utilização abusiva de dados, refere o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, Gonçalo Lobo Xavier. “Nem sempre a burocracia é boa decisora nem a pressa boa conselheira, mas esta é uma área que não podia, de modo algum, cair num vazio legal ou ficar inteiramente dependente de mecanismos de autorregulação do mercado”, vinca.

Com todos os elementos no lugar, as empresas devem agora perceber como “transformar o negócio para o médio/longo prazo”, argumenta Nadim Habib, professor da Nova SBE. “Se o trabalho chato vai ser feito por máquinas, como é que as pessoas aprendem?”, questiona, com a certeza de que “chamamos a isto transformação, porque transformação é mais positivo do que mudança”.

O que diz o explicador

“Escolhemos muito mais emocionalmente do que racionalmente as marcas”

Sérgio Ferreira
Partner da EY Portugal


O que diz o agitador

“Vamos ter organizações com menos pessoas a fazer trabalho radicalmente diferente”

Nadim Habib
Professor da Nova SBE

Como está a IA a alterar o consumo e retalho

A utilização de ferramentas de inteligência artificial generativa vai permitir aos consumidores receber recomendações cada vez mais personalizadas e de forma direta. Poderá, por exemplo, receber em casa as compras de supermercado do mês só com base no seu histórico de aquisições.

Vai-se assistir à introdução de métodos de aprendizagem, formação e educação automatizados para desempenho de tarefas.

Os algoritmos cada vez mais sofisticados que são a base da capacidade computacional da IA permitirão a otimização das cadeias de abastecimento e uma identificação mais eficaz de oportunidades para prever a procura e contribuir para um fornecimento sustentável.

Lojas com recurso a sensores e câmaras alimentadas por IA para cobrar de imediato o que se consome serão mais comuns.

Poderá ser também utilizada para a criação de logótipos, design de embalagens ou sugestões de nome dos produtos.