A dado momento, Elisa Ferreira usou a expressão “geography of discontent” [geografia do descontentamento], que reflete as desigualdades sociais e de acesso a serviços essenciais, como a saúde e a educação, em diferentes latitudes da Europa — a armadilha do desenvolvimento regional assimétrico que gera insatisfação das populações e está na génese do euroceticismo e de fenómenos populistas. “A política de coesão precisa de perceber de que modo pode ser mais eficaz e combater esses fenómenos que começam a grassar na Europa”, assumiu a comissária europeia da Coesão e Reformas.
A dirigente falava na conferência “Expresso 50 anos — Coesão e Futuro da União Europeia”, que decorreu esta semana na sede da Impresa, em Paço de Arcos. Frisou, no entanto, que os países não devem ser dependentes de fundos europeus: “Não podem ser droga, devem ser investimento. Não é um apoio de rotina, é um apoio estratégico para dar apoio grande às vantagens competitivas que temos. Uma delas é a mão de obra qualificada”, disse, referindo-se a Portugal.
Dar valor à economia tirando partido da ciência e da ligação às universidades (trabalhando com energias limpas) ou melhorar a gestão e o funcionalismo público foram alguns dos caminhos apontados num país com perda de população, enormes assimetrias entre litoral e interior, custos imobiliários “extraordinários”, dependência do turismo e salários baixos.
“Deve ser motivo de reflexão em toda a Europa como usar esta oportunidade excecional de financiamento para transformar os países que estão em regiões de estagnação em regiões prósperas”, referiu a comissária. E reconheceu que a Europa enfrenta grandes desafios futuros, colocando à cabeça o risco de erosão dos regimes democráticos: “2024 vai ser um ano de grandes decisões. Metade da população mundial vai a votos e o que sairá daqui pode ser muito diferente do que estamos habituados.”
Uma ideia que Ana Isabel Xavier acolheu. A docente e investigadora universitária lembra que estas são as primeiras eleições pós-covid e pós-início da guerra da Ucrânia, com vários países europeus onde há partidos nacionalistas à frente de Governos e outros que são apoiados por forças desta natureza. Apontou também a importância geoestratégica do alargamento dos 27 aos países dos Balcãs e à Ucrânia: “A UE tem de estar consciente de que vivemos um momento estratégico.”
A redistribuição dos fundos num cenário de alargamento dos 27 foi outro dos temas do debate. O economista Ricardo Reis disse que a abertura de mercados e os fluxos de pessoas podem também representar novas oportunidades para as empresas portuguesas: “A União Europeia é um espaço de circulação de pessoas. A Leste mora muita gente, são fluxos migratórios relevantes. É importante dar mais atenção às questões de imigração, ao impacto positivo em termos económicos dos imigrantes numa economia envelhecida, com repercussão também fiscal.”
Já o ex-embaixador e atual presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Álvaro Mendonça e Moura, lançou um alerta: “Tudo o que possa pôr em risco a coesão interna da União Europeia é um mal maior. É preciso que a população esteja a participar neste processo de alargamento”, referiu, lembrando que “o que muitos apresentam agora como uma inevitabilidade era visto como um não pelo Presidente francês, pelo chanceler alemão e pelo próprio António Costa. Alguns dos principais dirigentes europeus diziam que não era o momento” para a adesão da Ucrânia.
O painel lembrou também que, seja qual for o cenário, os processos de alargamento são longos e pode demorar uma década até à sua efetivação. Ricardo Reis vincou que é importante criar outras formas de participação no projeto europeu e defendeu “a criação de uma Europa a diferentes velocidades, no sentido de haver adesões mais modestas” e faseadas. Apontou ainda a necessidade de se criar uma política industrial europeia, bem como a reflexão sobre a necessidade de os países se equiparem militarmente.
Reajustamento das NUTS choca
CRÍTICA A comissária europeia da Coesão e Reformas criticou a recente reconfiguração das NUTS (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos), com a criação das NUT II de Oeste e Vale do Tejo e da Península de Setúbal. “O reajustamento para receber mais apoio chocou-me um bocadinho”, confessou Elisa Ferreira: “A ambição é importante. Não só a ambição por ter fundos, mas por um verdadeiro desenvolvimento que os fundos podem garantir.”
1,4
milhões de empresas foram apoiadas com fundos de coesão da UE entre 2014 e 2020. Nesse período, cada pessoa recebeu um apoio médio de €112, que ascendeu aos €400 nas regiões menos desenvolvidas, são dados do 8º relatório da Coesão na Europa até 2050, de fevereiro de 2022
Apertar o cerco às alterações climáticas
TRANSIÇÃO Entre as prioridades da UE estão as alterações climáticas e a transição ecológica. O objetivo é reduzir as emissões em 43% até 2050 com um investimento de €2,3 mil milhões para “apoiar a transição energética na vizinhança europeia e em todo o mundo”. Também foi apontada a necessidade de redução das emissões de metano nos Estados-membros.
69,3%
foi a taxa de abstenção nas eleições europeias de 2019 em Portugal. Nesse ano, a nível europeu, registou-se a maior taxa de participação em duas décadas, com 50% dos eleitores a votarem. Segundo o Parlamento Europeu, foi a primeira vez desde 1979 que a participação denotou uma tendência positiva, registando-se aumentos em 21 países, em sete dos quais na ordem dos 10%
Melhores frases
“O fluxo dos trabalhadores é tão ou mais importante do que o debate dos fundos”
Ricardo Reis
Economista
“É preciso haver muita prudência. Os problemas da vizinhança não se resolvem com a introdução do vizinho na nossa própria casa”
Álvaro Mendonça e Moura
Presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)
“É provável que as grandes famílias do Parlamento Europeu tenham margens menos significativas. As eleições para o Parlamento Europeu vão ser referendos nacionais”
Ana Isabel Xavier
Professora e investigadora universitária
Conferências 50 anos
A conferência “Coesão e Futuro da EU”, que contou com o apoio da Comissão Europeia, foi mais um debate inserido nas comemorações do 50º aniversário do Expresso, que tem realizado várias conferências pelo país para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões.
Textos originalmente publicados no Expresso de 12 de janeiro de 2024