Projetos Expresso

A coesão contra o populismo

A Comissária Europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, defendeu a importância de aplicar seletivamente os fundos europeus para dar saltos de desenvolvimento, reconhecendo que as assimetrias geram descontentamento. Na conferência Expresso 50 anos Coesão e Futuro da UE, que contou com o apoio da Comissão Europeia, perspetivou-se o alargamento dos 27 e os desafios do projeto europeu

A comissária Elisa Ferreira defendeu a utilização dos fundos de forma seletiva, para projetos de desenvolvimento que façam a diferença
Tomás Almeida

Portugal está entre os países europeus que, após um crescimento inicial, com a criação de infraestruturas, não conseguiu dar o salto para níveis superiores de competitividade. “Estes fenómenos de estagnação acabam por estar associados a perda de recursos humanos, especialmente os mais qualificados, e estes fenómenos combinados geram frequentemente a uma sensação de abandono das populações que acaba por se refletir em votos contra o sistema”, disse esta terça-feira a Comissária Europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira.

“Este fenómeno do brain drain acaba por acontecer em algumas regiões da Europa. Isto acontece em regiões rejeitadas ou que ficam estagnadas, em que sentem que não há dinâmica dos jovens” apontou a Comissária Europeia, apontando os países do Sul (Portugal, Grécia e Itália), mas também algumas regiões de França e da Alemanha. “Se não há acesso à saúde, à educação, não é possível falar de igualdade de oportunidades”, referiu.

As assimetrias dentro dos 27, os desafios do alargamento da União Europeia e as dinâmicas económicas e geopolíticas preencheram a conferência dos 50 anos do Expresso sobre a Coesão e Futuro da União Europeia, que decorreu na Impresa, em Paço de Arcos.

O alargamento da União Europeia aos países dos Balcãs, mas também à Ucrânia, foi encarada como uma oportunidade pelo economista Ricardo Reis, que sublinhou a importância de abrir o acesso a outros mercados, bem como o fluxo de pessoas. “A União Europeia é um espaço de circulação de pessoas. A Leste mora muita gente, são fluxos migratórios relevantes. É importante dar mais atenção às questões de imigração, ao impacto positivo em termos económicos dos imigrantes numa economia envelhecida, com impacto também fiscal”, referiu, apontando as contribuições para a segurança social.

Num debate marcado pela alusão aos fundos comunitários e à sua eventual redução, para Portugal, com a abertura a novos países, Elisa Ferreira insistiu na ideia de que estes devem ser usados como exceção e não como regra: “Temos de ser exigentes na sua atribuição e seletivos na sua utilização. Os fundos não são para fazer habituação. São para fazer saltos que sejam suficientemente arriscados para a frente”.

Ana Isabel Xavier, Álvaro Mendonça e Moura e Ricardo Reis (remotamente) participaram na conferência, com moderação da jornalista da SIC, Rosa de Oliveira Pinto
Tomás Almeida

Cauteloso, Álvaro Mendonça e Moura, ex-embaixador e atual presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), alertou para tudo o que possa pôr em risco a coesão da UE: “É preciso ter alguma prudência. Não é dizer que não. A União Europeia precisa de preparar os alargamentos e exigir reformas profundas aos países candidatos. Não podemos pensar que o simples alargamento resolve os problemas”. Sobre o sector agrícola, defendeu que a adaptação está a ser feita e com resultados, colocando a tónica na falta de execução dos fundos: “Estou mais preocupado com a não aplicação dos recursos postos à disposição do governo português pela União Europeia”.

Ressalvando que a abertura a novos países faz parte do projeto europeu, a professora e investigadora universitária Ana Isabel Xavier referiu que os alargamentos que se perspetivam são essencialmente geopolíticos: “A urgência de integrar os Balcãs surge no fim da Guerra Fria, mas a urgência foi alargada pela agressão da Federação Russa à Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022”. Sublinhou que este é um momento estratégico para a Europa e que as eleições para o Parlamento Europeu, que se realizam em junho, vão ser “referendos nacionais” em todos os países.

Principais conclusões

Fundos

  • Os fundos europeus são uma ferramenta essencial de coesão, e devem ser usados como investimento para qualificar os países e as regiões e não como uma fonte de financiamento habitual e recorrente. O debate do alargamento da EU não se pode cingir à partição dos fundos.

Assimetrias

  • As assimetrias existem, prendem-se com níveis de desenvolvimento diverso e levam a desigualdades. As ferramentas de coesão são essenciais para o projeto europeu. Se não há acesso à saúde ou à educação, não é possível falar de igualdade de oportunidades.

Geopolítica

  • A perspetiva de abertura da União Europeia aos países Balcãs e à Ucrânia, que será um processo longo, é uma também uma manobra de geopolítica.