Há 30 anos que andamos a pôr um avião pequenino num mapa de Portugal.” Augusto Mateus não poupou nas críticas ao adiamento sobre a decisão do novo aeroporto: “Há 30 anos que andam a brincar connosco.” O economista, que foi ministro da Economia de António Guterres (1996-1997), defendeu a importância de criar uma grande cidade aeroportuária para “alavancar” o país, e não apenas servir Lisboa e arredores. “Para termos um sistema, e não uma coleção de aeroportos”, sustentou. Esta estrutura deve ser pensada no conjunto da Área Metropolitana de Lisboa, avaliando os problemas e preconizando soluções.
No debate “Expresso 50 Anos” sobre os desafios para Almada e para o país, a localização do aeroporto foi um dos temas lançados pelo painel, em que se pediram decisões. Teresa Almeida, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), referiu a importância da estrutura aeroportuária para este território, bem como do Arco Ribeirinho do Sul, os terrenos das antigas indústrias pesadas do concelho que continuam intactos à espera de decisões. “Não houve resposta na altura, hoje são uma oportunidade.”
E também realçou que os desafios são cada vez mais complexos, elencando o mundo global, as alterações climáticas, a descarbonização e a importância “da estabilidade dos diplomas legais que enquadram o território”. Nesta linha de raciocínio, lembrou a reestruturação em curso das CCDR, que atribuiu mais competências a estes organismos, e não subscreveu a ideia, que acabaria por percorrer todo o painel, de que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto precisam de ter um modelo de gestão próprio.
“Não se pode governar Braga como se governa Almodôvar. No mundo rural, temos de levar serviços às pessoas, nas regiões metropolitanas, de ter uma eficiência colossal de transportes, estruturas, etc. Temos de acertar no nível a que nos movemos. Se fazemos tudo ao mesmo nível, não resolvemos nada”, sustentou Augusto Mateus.
“As Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto têm de ter um estatuto próprio”, defendeu a presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, apontando que estas zonas não dão qualquer sinal de esvaziamento, como a pandemia pode ter sugerido. “Não podemos estar sempre a opor o interior com os desafios das áreas metropolitanas, a dizer que já têm tudo. É onde se concentra a riqueza, mas também os grandes problemas”, referiu, assumindo que ainda existem barracas em Almada.
Para o economista João Duque, é importante descentralizar e criar novos focos, apontando a dinâmica cultural, o turismo e a ligação à universidade, no caso de Almada. O também presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) considerou que Almada está muito dependente de uma “iniciativa única”, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, e desafiou Inês de Medeiros a pensar em acolher um futuro polo do ISEG no concelho. A autarca lembrou as outras instituições de ensino no terreno, como o Instituto Piaget e o grupo Egas Moniz, e sublinhou a importância de abrir mais cursos de Medicina, “uma necessidade absoluta”.
O debate foi ainda marcado pela declaração de Augusto Mateus de que faltam ideias a Portugal e à Europa. “Temos défice de ideias, de inovação, de defesa de valores humanistas e de bem comum”, disse, frisando que “o desenvolvimento social faz-se com colaboração”. Vincou ainda que Portugal tem dificuldade em “enfrentar problemas difíceis”, como a sustentabilidade da Segurança Social ou a qualidade da educação.
Antes da conferência, foram apresentados quatro projetos imobiliários previstos para Almada, com habitação para classe média, média alta, luxo e residências de estudantes.
Um dos projetos situa-se na arriba fóssil da Costa de Caparica e prevê 26 mil metros quadrados de construção. Inês de Medeiros considerou que “o desenvolvimento não é um conflito permanente com o desenvolvimento sustentável e a ambição é combater o abandono e regenerar o território de acordo com o seu património ambiental”.
Novas NUTS a caminho
Fundos Portugal continental passará a ter sete regiões em vez das atuais cinco com a reformulação das NUTS (Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins Estatísticos). Península de Setúbal e Oeste e Vale do Tejo juntam-se às NUTS Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Lisboa. A alteração, já aprovada por Bruxelas, deverá facilitar maior captação de fundos europeus a partir de 2027.
2,8
milhões de pessoas vivem nos 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa. Segundo os Censos de 2021, Lisboa é o concelho com mais população, seguido de Sintra, Cascais, Loures e Almada. Mafra foi o que mais cresceu (12,8%), seguido de Palmela (9,6%), Alcochete (9%) e Montijo (8,7%)
CCDR com novas competências
Reforma Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) passaram a ser institutos públicos em junho deste ano, com personalidade jurídica própria e dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Receberam atribuições das antigas Direções Regionais de Agricultura e Pescas e das Direções Regionais da Cultura, entre outras, que deveriam integrar até 31 de março de 2024.
1,4
milhões de empregados na Área Metropolitana de Lisboa, o que corresponde a 27,2% da população empregada a nível nacional, segundo o Instituto Nacional de Estatística. A região concentra 91 estabelecimentos e 161 mil alunos no ensino superior
Melhores frases
“O problema nunca foi dinheiro, foram ideias. Há falta de ideias em Portugal e na Europa”
Augusto Mateus
Economista
“Os estudos não se podem continuar a perpetuar, é preciso decidir”
Teresa Almeida
Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT)
“Criar coisas, dar-lhes nomes e colocar no mapa da comunicação é que é mais difícil”
João Duque
Economista
Conferências 50 anos
À boleia do roadshow que temos feito pelo país, inserido nas comemorações do 50º aniversário, o Expresso organiza várias conferências para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões. Almada foi a última paragem, com o apoio da Câmara Municipal.
Textos originalmente publicados no Expresso de 8 de dezembro de 2023