Radicado em Viena, na Áustria, o professor catedrático Nuno Maulide falou com o Expresso sobre a qualidade da ciência desenvolvida em Portugal, mas também dos desafios ao nível do seu financiamento e da comunicação junto do público. O químico formado no Instituto Superior Técnico foi eleito, em 2018, cientista do ano na Áustria e é no país em que vive que dirige o Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena.
Esta quarta-feira, dia 15, vai participar na cerimónia oficial de entrega dos Prémios Pfizer, uma iniciativa da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa e da farmacêutica, para falar sobre a ligação entre a ciência e a arte – não fosse Nuno Maulide apaixonado por música e pela ciência.
Enquanto investigador de relevo internacional a viver em Viena, como é que vê, de fora, a ciência em Portugal? Que perceção tem sobre qualidade da produção científica e o financiamento desse trabalho?
Não há dúvidas de que a ciência em Portugal tem tido uma evolução considerável nos últimos anos. Há áreas em que o trabalho realizado é tão bom como os melhores e outras que para lá caminham. Nesse sentido, reconheço avanços notáveis na produção científica em Portugal. No entanto, a questão do financiamento permanece um desafio. O chavão “sem ovos não se fazem omeletes” tem tanto a ver com a culinária como com a ciência – e em mais do que uma vertente. Pois se, como é óbvio, a ainda muito baixa percentagem do PIB que é investida em ciência não permite ao país assumir realmente uma prioridade estratégica em investigação e desenvolvimento, por outro lado, a forma como o dinheiro existente é aplicado precisa de uma otimização permanente.
Ouvimos diversas vezes o Governo referir-se às ciências médicas e à biotecnologia como áreas em que Portugal tem potencial, mas também como áreas em que o país pode vingar a nível internacional, com benefícios para a população em termos de saúde e para os cofres do Estado por via do impacto económico. Qual é a sua perspetiva sobre isto?
Penso que pode sempre ser perigoso e até redutor para qualquer país “escolher” áreas onde pretende vingar a nível internacional quando falamos de ciência. Da mesma forma que as áreas onde possamos ser mais fortes são, sem dúvidas, focos onde é preciso continuar o esforço, se nas áreas onde coletivamente ainda não temos a massa crítica necessária para um papel de liderança a nível internacional nunca for adotada uma estratégia coerente, dificilmente elas sairão da “cepa torta”. Até porque futurologia é um exercício delicado: quem pode dizer hoje com certeza de que área científica pode vir mais benefício para a população em termos de saúde e impacto económico?
"Não importa onde se nasceu, não importa se a família vive num apartamento de 200 m2 no centro de Lisboa: se tens curiosidade pelo mundo que te rodeia, a ciência oferece possibilidades únicas de desenvolvimento pessoal"
Tem trabalhado muito a divulgação da ciência, apostando sobretudo numa linguagem simples, apelativa e associada a um fascínio que é evidente na forma como fala sobre ela. Partilha da opinião de que a pandemia aproximou a generalidade das pessoas à ciência?
Em Portugal, acredito que sim, a pandemia reforçou a importância da ciência na vida quotidiana. Mas noutros países não se observou o mesmo – e tem tudo a ver com a enorme curiosidade e interesse que o público em Portugal tem adquirido em relação ao conhecimento científico e à tecnologia. Isto é também muito fruto do excelente trabalho realizado pelo programa Ciência Viva, que já vai fazendo escola por essa Europa fora. Quando realizo sessões online com escolas em Portugal, das grandes cidades às escolas de cidades mais pequenas, na província, reforço sempre esta faceta da ciência: ela é um equalizador de oportunidades sociais. Não importa onde se nasceu, não importa se a família vive num apartamento de 200 m2 no centro de Lisboa: se tens curiosidade pelo mundo que te rodeia, a ciência oferece possibilidades únicas de desenvolvimento pessoal.
O que é que continua a fasciná-lo neste mundo da ciência?
Assim de repente, duas coisas: a forma como cada problema que resolvemos geralmente gera novas perguntas, novos problemas para resolver. E a maneira como, no final de tudo e depois de todos os aparelhos “xpto”, as máquinas complexas, as fórmulas elaboradas e as considerações abstratas, a ciência é simplesmente uma forma de olhar para o mundo à nossa volta com uma curiosidade interminável.
Vai estar na cerimónia dos Prémios Pfizer para olhar “A ciência como arte”. É a criatividade que as une?
Está quase a roubar-me parte da apresentação (risos). Sim, no século XIX um grande cientista e exímio violinista, Theodor Billroth, afirmava que 'considerar ciência e arte como opostos é uma falácia. Ambas são filhas da imaginação!
Cerimónia de entrega dos Prémios Pfizer
O que é
Os Prémios de Investigação Pfizer, que têm o Expresso como media partner, resultam de uma parceria entre a farmacêutica e a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa para dinamizar a investigação nesta área em Portugal. Instituída em 1956, a iniciativa distingue os melhores trabalhos de investigação básica e clínica, elaborados total ou parcialmente em instituições portuguesas por investigadores portugueses ou estrangeiros – já foram agraciados mais de 700 investigadores e premiados mais de 200 trabalhos. Na cerimónia da 67ª edição dos galardões, serão anunciados os dois projetos vencedores deste ano.
Quando, onde e a que horas?
Quarta-feira, 15 de novembro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a partir das 17h30. O evento será transmitido em direto na página de Facebook do Expresso.
Quem são os oradores?
- Paulo Teixeira, diretor-geral da Pfizer Portugal;
- Maria do Céu Machado, presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa;
- Nuno Maulide, diretor do Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena;
- Manuel Pizarro, ministro da Saúde (por confirmar).
Porque é que este evento é importante?
O investimento em ciência em Portugal, especialmente aquele que é da responsabilidade do Orçamento do Estado, continua a ser baixo e fica atrás da média europeia. Em 2022, as atividades de investigação e desenvolvimento no país receberam o equivalente a 1,73% do PIB nacional – 0,34% de fundos públicos e o restante através dos privados. Aumentar o apoio financeiro à investigação na área das ciências médicas deve ser, na perspetiva de investigadores e peritos, uma prioridade para que Portugal possa afirmar-se no panorama internacional e contribuir para o avanço científico.
Como posso ver?
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