Muita tinta tem literalmente corrido para alertar sobre o impacto das alterações climáticas nas nossas vidas. Os salpicos verdes atirados a membros do governo espelham indignação, mas será que refletem conhecimento?
A verdade é que as recentes manifestações pelo clima — das estradas cortadas às montras de lojas de luxo partidas — parecem não coincidir com a perceção dos portugueses em relação às consequências dos fenómenos climáticos, sobretudo as que impactam a saúde. Pelo menos é o que conclui o estudo “Riscos climáticos e a saúde dos portugueses: futuro(s) por imaginar e construir”, ao mostrar que mesmo que 96% dos portugueses consideram que já estão ou estarão expostos a problemas de saúde causados pelos riscos ambientais, só 25% se declaram informados sobre o assunto.
A investigação vai ainda mais longe e diz que até os tais 25% que se assumem conhecedores apresentam lacunas de compreensão. “Não parece haver conhecimento além daquilo que é tangível”, explica Joana Barbosa, responsável de Investigação e Research da ROI. Há a ideia generalizada de que os jovens abraçam mais a causa climática do que os graúdos, mas pelos dados apresentados, pode deduzir-se que há mais pontos a unir as gerações do que a separá-las.
O que o estudo demonstra também é que a expressão “olhos que não veem, coração que não sente”, nunca fez tanto sentido, visto que a proximidade ao problema contribui muito mais para a sua compreensão do qualquer outro fator: entre os 30% que já estiveram em contacto com ambientes em que a poluição se sente fortemente (por exemplo na Ásia), 65% admitem que durante essa experiência pensou no impacto que poderia estar a ter na sua saúde, sendo que 59% projetam a memória do que viveu quando pensa no futuro.
É por isso que para Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, é fundamental o “incremento da pedagogia, de modo a aumentar a sensibilização e o envolvimento das comunidades nesta batalha pela melhoria da proteção da saúde das populações”. Para Luísa Schmidt, orientadora científica do estudo, o conhecimento por si só não chega, tem de ser transmitido de uma forma “estruturada e acessível”. Para que tal aconteça, todas as entidades devem estar alinhadas. Os centros de saúde, devido à sua proximidade com a comunidade, assim como as escolas, são para Luísa Schmidt dois locais privilegiados para promover uma atitude preventiva e ativa por parte da população. “É muito mais barato prevenir do que tratar as doenças”, lembra.
Somos o que bebemos mas também o que respiramos
Em relação à perceção dos problemas causados pelas alterações climáticas, as doenças respiratórias e as alergias são facilmente associados ao ambiente, mas todos os outros problemas são muito pouco conhecidos: só 6% sabem que o cancro é um dos impactos e apenas 2% encaram as doenças cardiovasculares como um problema que advém das alterações climáticas.
“Somos o que comemos, mas também somos o que bebemos ou que respiramos”, diz Maria do Carmo Silveira, responsável de Orquestração Estratégica do Grupo Ageas Portugal, numa alusão a um cliché que nos lembra que se o planeta estiver doente, nós também estaremos. Não obstante, o estudo revela que existe uma correlação entre a ação pró-saúde e a ação pró-ambiente, ou seja, é mais provável que a preocupação com a saúde nos leve a uma preocupação com o ambiente do que o contrário. O que faz da saúde um dos principais vetores para comportamentos sustentáveis.
O que diz o estudo
Riscos
Dados de 2023 O lado pedagógico do estudo incide nos problemas de saúde associados aos riscos climáticos. Há cinco: temperaturas extremas e ondas de calor; poluição do ar; poluição e escassez da água; doenças transmitidas por vetores; e saúde mental.
Ondas de calor
2200 É o número de “mortes em excesso” no país provocadas pelas ondas de calor.
Consequências das ondas de calor
Órgãos Há impacto no desempenho de vários órgãos. Coração e rins, sobrecarga do sistema cardiovascular e danos celulares são algumas das consequências das ondas de calor.
Partículas nocivas do ar
2600 É o número de mortes prematuras no país por exposição prolongada a partículas nocivas do ar. Ansiedade, impacto no fígado, baço e sangue, assim como no sistema reprodutivo são alguns dos exemplos menos conhecidos.
Escassez de água
Doenças A falta de água contribui para a perda da qualidade da própria e dos alimentos que podem causar doenças como o cancro.
Novos insetos
700 mil É o número de pessoas que morrem por ano no mundo por doenças transmitidas por insetos, de que são exemplo a malária ou o dengue. Na Europa, devido à alteração do clima, começam a existir doenças que estavam circunscritas a outros países.
Ansiedade climática
Inquiridos 10% das pessoas ouvidas no estudo confessam sentir ansiedade climática. No campo da saúde mental, o estudo revela que existem fenómenos relacionados com o passado (perdas materiais e humanas, por exemplo no incêndio de Pedrógão, onde houve 50% de aumento de risco pós-traumático), com o presente e com o futuro (a chamada ecoansiedade, que se agudiza porque as pessoas não têm respostas sobre como agir perante a situação de emergência climática).
A preocupação dos portugueses
Mais de metade 51% já sentem ou sentiram que as alterações climáticas são prejudiciais para a saúde. Seca, temperaturas altas e incêndios florestais são as maiores preocupações.
As casas dos portugueses
Incapacidade 28% já pensaram em viver num país com temperaturas mais elevadas, mas não têm capacidade económica para o fazer. “As casas dos portugueses não estão preparadas para as ondas de frio e calor, e devido à iliteracia energética e aos salários baixos, não conseguem investir na melhoria, nem comportar as despesas”, lembra Luísa Schmidt.
Repensar a Saúde
O impacto das alterações climáticas na saúde dos portugueses esteve em destaque num evento organizado pela Medis. A conferência, à qual o Expresso se associou como media partner, serviu também para apresentar o estudo intitulado “Riscos climáticos e a saúde dos portugueses: futuro(s) por imaginar e construir”.
Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de outubro de 2023