Projetos Expresso

Estudar e inovar para poupar cofres do Estado

Ciência: a investigação e desenvolvimento permite a descoberta de novos medicamentos e terapêuticas que reduzem a carga de doença e mortalidade no país. Até 2030, Portugal quer investir 3% do PIB, mas vai ter retorno social e económico. O Expresso é media partner da 9ª edição do Programa Gilead Génese

Hélder Maiato lidera a equipa do i3S, no Porto, que ganhou uma das bolsas e estuda a forma de aumentar a eficácia do tratamento oncológico
Rui Duarte Silva

A ciência em Portugal está viva e recomenda-se, pelo menos se olharmos para o número de pedidos para registo de patentes por inventores nacionais — só em 2021, foram perto de 1300. O volume tem vindo a aumentar de forma consistente ao longo das últimas décadas e acompanha o crescimento do valor colocado em investigação e desenvolvimento (I&D) em percentagem do PIB. “Portugal tem tido um percurso bastante interessante no que respeita ao crescimento de investimento em I&D”, constata Pedro Oliveira, recém-nomeado reitor da Nova School of Business & Economics (Nova SBE).

E, mais uma vez, os dados compilados pela Pordata comprovam-no. Em 2001, o país investia 0,76% do PIB, valor que subiu para 1,46% em 2011 e que atingiu, em 2022, o máximo histórico de 1,71% - a maior parte deste bolo tem origem nas empresas, sendo o Orçamento do Estado diretamente responsável por apenas 0,07%. Porém, mantém-se a uma distância significativa do objetivo de 3% traçado pelo Governo para 2030. “Aqui, como noutros países do mundo, não otimizamos ainda os recursos da melhor maneira, mas diria que se há área em que vale a pena investir é na ciência”, reforça o especialista em gestão e inovação.

Investigadores e académicos acreditam que, apesar de a evolução ser positiva, é preciso gastar mais em I&D para aumentar a competitividade do país, desenvolver a economia e recolher dividendos em várias áreas. A saúde é, garantem, uma das mais promissoras, até pelo impacto que a inovação pode ter na sustentabilidade do sector. A equipa do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) liderada por Hélder Maiato, um dos 13 projetos distinguidos na 9ª edição do Programa Gilead Génese (lista completa ao lado), é disso exemplo. Ao longo de dez anos, estes cientistas estudaram a possibilidade de usar um novo biomarcador para aperfeiçoar uma das principais terapêuticas oncológicas e reduzir as doses de fármaco utilizadas. “Se conseguirmos, à priori, selecionar os doentes que vão responder bem ao tratamento, estamos a dar uma grande ajuda ao oncologista para tomar decisões sobre a terapêutica”, explica. As vantagens são claras: reduzir as quantidades de medicação usadas, mitigar os seus efeitos secundários e aumentar a eficácia da intervenção clínica. No fim de contas, diz Hélder Maiato, é uma forma de poupar os cofres do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A inovação, consideram os especialistas que participaram num debate durante a cerimónia dos prémios da ciência, pode mesmo ser o motor para a sustentabilidade em saúde, desde que, sublinham, sejam ultrapassados desafios — estruturais e culturais. “Além deste investimento que é necessário, há necessidade de melhor coordenação. Precisamos de trabalhar mais em colaboração”, defende a diretora-executiva do Biocant, entidade dedicada à transferência de conhecimento sediado em Cantanhede. Joana Branco acredita que é preciso uma “visão estratégica” para as áreas da ciência, da saúde e da educação, temas que “não podem estar dependentes de ciclos políticos”.

Questionada sobre o custo da disrupção e o que representa para o erário público, a doutorada em ciências biomédicas lembra que deve ser tido em conta o retorno — social e económico — dessa aposta. “A inovação é cara se pensarmos no custo do desenvolvimento do medicamento, mas se pensarmos nos benefícios sociais que traz, se calhar conseguimos fazer uma análise um bocadinho mais realista”, sublinha. O executivo parece reconhecer, pelo menos no discurso público, esta vantagem já que, de forma repetida, o ministro da Economia tem defendido que “Portugal pode ser uma espécie de fábrica de medicamentos da Europa” e que “as biotecnologias podem mudar o desenvolvimento económico do nosso país”, como afirmou no final de setembro em Coimbra.

Dados da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB) apontam os três principais estrangulamentos à inovação na saúde. A gestão dos recursos humanos, nomeadamente a falta de autonomia e de tempo dedicado à investigação pelos profissionais do SNS, a escassez de financiamento e a burocracia são os principais problemas, diz o Barómetro de Investigação em Saúde.

Ana Jorge, provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, afirma que “há uma dificuldade nas parcerias e no trabalho conjunto em todas as áreas”, incluindo na prestação de cuidados. A responsável advoga por isso a criação de “equipas multidisciplinares” e a integração “de dois modelos de intervenção, a ação social e a saúde”, para alcançar uma “economia de esforços e de recursos”. Margarida Couto, presidente da Grace — Empresas Responsáveis, concorda com a ideia do fomento à colaboração e garante que “não há desenvolvimento sustentável sem inovação”.

Se Portugal tem massa cinzenta e instituições capazes de assegurar a transferência de conhecimento para a economia real, o que falta mesmo, consideram os peritos, é implementar uma estratégia concertada, financiada e prolongada no tempo para garantir que o país vinga no panorama internacional da ciência.

Os vencedores de 2023

Investigação

BtoBEAT-TNBC Equipa da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto quer validar combinações terapêuticas com o composto BBIT20, que podem potenciar a eficácia dos tratamentos no cancro da mama triplo negativo.

E-MAGIC Projeto do i3S sobre cancro da mama triplo negativo pretende clarificar mecanismos de resistência terapêutica mediados por vesículas extracelulares para criar estratégias que melhorem a resposta dos doentes às terapias.

Microbiota O Laboratório de Cancro da Mama do iMM quer potenciar a eficácia terapêutica no tratamento de tumores triplos negativos e detetar os que têm potencial metastático através da utilização de bactérias.

TaxCODE A resistência à terapia continua a ser o principal fator de mortalidade no cancro. Este projeto do i3S investiga a utilidade clínica resultante de alterações no código da tubulina para prever e melhorar a atuação dos fármacos taxanos.

Leucemia linfoblática aguda Investigadores do iMM estudam o impacto da molécula IL-7 e do seu recetor (IL-7R) no desenvolvimento deste cancro pediátrico, mas também na metastização para o sistema nervoso central.

Imunoterapia Esta tem sido uma terapêutica importante na oncologia, ainda que uma das técnicas mais recentes (CAR T) tenha impacto negativo nos tecidos saudáveis. Equipa do iMM quer inovar e criar uma terapia com toxicidade mínima.

DeltaPT O vírus da hepatite delta (VHD) é a forma mais grave conhecida. O INSA desenvolveu um piloto para a quantificação de RNA e a genotipagem do VHD de doentes com seropositividade para o anticorpo anti-VHD. Objetivo é alargar estudo a nível nacional.

MiThic-eSwitch A FCiências.ID desenvolveu um sistema de terapia génica para detetar a presença de células infetadas em consequência do VIH e para eliminá-las de forma seletiva.

Comunidade

Hepatite C Associação Ares do Pinhal vai rastrear e tratar o maior número de doentes para evitar infeções e reinfeções. Objetivo é reduzir a mortalidade estimada nos 60%.

Sol dos Afetos É um grupo de apoio psicossocial dirigido a pais de crianças e jovens com VIH. Projeto foi criado em 2020 pela Associação de Apoio às Crianças Infetadas pelo Vírus da Sida.

Indetetável = Intransmissível Iniciativa da fundação portuguesa Comunidade Contra a Sida para a microeliminação da infeção por VIH e hepatites virais em populações mais vulneráveis.

APP Mobile A Associação Portuguesa Contra a Leucemia quer criar uma aplicação móvel para doentes e cuidadores. Plataforma vai permitir registo diário de informações sobre estado de saúde para melhorar a qualidade de vida.

Mama Move É um programa de exercício físico para sobreviventes do cancro da mama desenhado pela Universidade da Beira Interior para mitigar os efeitos colaterais dos tratamentos.

Investigação na saúde

O Expresso é media partner da 9ª edição do Programa Gilead Génese, que premeia as melhores iniciativas nas áreas da investigação científica e da intervenção comunitária na saúde. Em oito edições foram entregues bolsas no valor de €2,5 milhões e distinguidos 114 projetos. “A inovação como motor da sustentabilidade em saúde” foi o tema da conferência.

Textos originalmente publicados no Expresso de 20 de outubro de 2023