“A porta do inferno está aberta”. A frase, do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, proferida há poucos dias na Assembleia Geral daquela instituição não augura nada de bom para o planeta. No entanto, ao longo de um dia de debates na conferência ‘Visões do Futuro’, que celebra o primeiro Dia Nacional da Sustentabilidade (que a partir de agora se comemora a 25 de setembro), os diversos intervenientes deixaram mensagens menos catastrofistas em relação ao caminho que o mundo está a percorrer, rumo à sustentabilidade.
Ainda assim, reconhecem que o percurso do país nestas temáticas tem tido tanto de pioneirismo como de quase inércia em algumas áreas. “Se todos vivessem como os portugueses precisávamos de três planetas”, disse Francisco Ferreira em jeito de provocação. No entanto, o presidente da associação ambientalista Zero, que se assume como “um otimista preocupado”, acredita que é possível mudar os comportamentos, com alguns incentivos do Governo, para que o país possa atingir a ‘suficiência’. “Temos que ser suficientes, consumir e usar apenas aquilo de que precisamos”.
Por exemplo, a gestão dos resíduos, especialmente os alimentares, continua a ser um dos ‘calcanhares de Aquiles’ do país. Recorde-se que em 2021, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mais de metade do lixo foi depositado em aterros. Um número que cresceu face aos 46% registados pelo Eurostat em 2020.
O tema, que foi abordado no painel sobre o desperdício alimentar, preocupa Isabel Jonet que, ainda assim, destaca a capacidade dos 21 Bancos Alimentares receberem doações da indústria que, caso contrário, rumariam ao aterro. “Distribuímos 40 toneladas por dia só no Banco Alimentar de Lisboa e, se não o fizéssemos, 80% ia para o lixo”, salienta. Mudar mentalidades e comportamentos é, por isso, fundamental, começando nas famílias que é de onde vem 50% do desperdício alimentar, concordam os intervenientes neste painel.
O consumo excessivo e a insustentabilidade da guerra foram os temas discutidos durante o período da tarde. Uma vez mais, a alteração de comportamentos é o ponto de partida para criar hábitos de consumo mais sustentáveis que, acreditam os participantes na conversa sobre o tema, está a mudar aos poucos. Já no que se refere aos impactos da guerra nos temas da sustentabilidade, destaca-se o tema da energia cujo sector tem que responder às metas de descarbonização que podem não ser possíveis se o conflito na Ucrânia se prolongar. Adicionalmente, a invasão russa está a alimentar uma crise económica que está a aprofundar desigualdades e a desacelerar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em Portugal, lembra Francisco Ferreira, “apenas 10% dos ODS estão atingidos”.
A conferência que celebrou o primeiro Dia Nacional da Sustentabilidade contou com a presença de Francisco Ferreira, presidente da ZERO; João Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal; Alexandra Serra, administradora executiva da Águas de Portugal; Ana Barbosa, diretora de sustentabilidade da IKEA; Chef Kiko; Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar; Pe. Tiago Neto; Ágata Roquette, nutricionista; Catarina Gouveia, influencer; Susana Santos, diretora de comunicação do El Corte Inglês; Duarte Roquette, marketeer; Maria Moreno, psiquiatra; Aline Hall de Beuvink, historiadora e professora universitária; Miguel Morgado, professor universitário e ex-deputado; José Aramburu Delgado, CEO CEPSA Portuguesa. A abertura ficou a cargo do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro.
Outras conclusões:
Metas
- O Ministro do Ambiente e da Ação Climática, que abriu a conferência, está otimista quanto ao caminho que Portugal está a trilhar rumo à sustentabilidade. Duarte Cordeiro destacou o percurso da mobilidade como um dos pontos positivos, e a gestão dos resíduos urbanos como o ponto mais negativo.
Emergência Climática
- As empresas estão preocupadas com a emergência climática, mas ainda não estão a avançar ao mesmo ritmo. João Menezes, aponta que as que são obrigadas pela regulamentação estão a avançar. “As outras estão a atrasar o processo”. A exigência é uma oportunidade de negócio”, acrescenta Ana Barbosa.
- O problema da água em Portugal “não é uma questão de escassez, mas de gestão”, afirma Alexandra Serra.
Desperdício Alimentar
- Planeamento nas compras é essencial para evitar desperdícios, defende o chef Kiko que acredita que o desperdício zero é possível na alta cozinha, “com muita ambição e responsabilização”.
- Mudança de comportamentos começa em casa, diz Padre Tiago Neto, e as escolas podem ajudar a passar esta mensagem, complementa Ágata Roquette.
Guerra
- Serão necessárias uma ou duas gerações para que Rússia e Ucrânia se reergam da guerra, o que tem enormes impactos nos três pilares da sustentabilidade, como alerta Aline Beuvink.
- “A guerra está a gerar uma crise económica muito assimétrica na Europa”, diz Miguel Morgado, recordando que a economia alemã está a sofrer o maior embate: “É um momento histórico e inédito”.
- Europa tem que ser energeticamente independente para manter o rumo da transição energética. “Posição geoestratégica da Península Ibérica é uma oportunidade”, defende José Delgado.