Projetos Expresso

“Saber como se faz valoriza o produto”

Diversificar: pequenos agricultores abrem a porta ao turismo para dar a conhecer qualidade, modos de produção e território como forma de acrescentar valor aos produtos

Em plena Reserva Natural do Sapal de Castro Marim, a Salmarim produz flor de sal através de métodos artesanais
Ricardo Bernardo

Apostar em produtos de nicho, inovar e abrir as portas ao turismo são estratégias que os agricultores convidados pelo Expresso a debater os Novos Desafios da Agricultura no Espaço Europeu têm adotado para acrescentar valor ao que produzem, enfrentar a concorrência global e a incerteza ditada pelas alterações climáticas, que exigem adaptação constante.

Ligar o sector agroalimentar ao turismo é a principal via de crescimento da Bísaro Transmontano, assegura Alexandrina Fernandes, que tem nas mãos os destinos do negócio iniciado pela bisavó, na década de 1930. Tudo começou com o comércio de produtos agrícolas e uma taberna na aldeia de Gimonde, em Bragança. Mais recente, a produção de porco Bísaro, raça autóctone que esteve praticamente extinta, conta 30 anos. O caminho tem sido traçado “com base nos produtos endógenos e alguma inovação”. Também o turismo tem sido determinante em várias frentes: um restaurante, vários alojamentos e, mais recentemente, um pequeno resort de montanha, todos na aldeia, dão a conhecer a origem e dinamizam a economia local. Por todo o país a procura por este produto certificado tem crescido à boleia do turismo até porque “a origem é cada vez mais valorizada pelos chefes, restaurantes e hotéis”. Além de serem importantes clientes, contribuem para a divulgação, afirma a empresária.

Mostrar para acrescentar valor

“Uma pequena empresa como a minha preocupa-se muito em mostrar. Conhecer a história e saber como se faz valoriza o produto”, defende Célia Rodrigues, responsável pela Neptun Pearl, que produz ostras a partir do Estuário do Sado e mantém, desde a origem, as portas abertas a visitantes. Dar a conhecer “a ligação à terra, como o produto é feito e a nossa história” permite “um maior crescimento e uma subida na cadeia de valor”, que tem ocorrido também através do trabalho de diversos chefes nacionais, clientes fiéis, e que acabam por ser passar o conhecimento sobre a qualidade deste ingrediente.

No Fundão, a Quinta da Porta dedica-se à produção de cereja e Pêssego da Cova da Beira IGP. A propriedade familiar que tem atravessado gerações abriu recentemente a porta ao alojamento turístico, revela José Castelo Branco, que há duas décadas está à frente do negócio. “Acreditamos que ao dar a conhecer o modo como produzimos, conseguimos captar interesse”, argumenta. A procura tem sido sobretudo por parte de clientes frequentes que desta forma entram em contacto com a origem das cerejas e dos pêssegos que habitualmente consomem.

“É preciso dar a conhecer, de preferência no local, o produto” sublinha Jorge Raiado que na Salmarim, em Portimão, produz flor de sal seguindo métodos tradicionais. Principalmente para que quando “as pessoas comparam com o preço de um quilo de sal no supermercado”, compreendam a diferença. Também neste caso os maiores impulsionadores do ingrediente certificado e da inovação na empresa têm sido os chefes de cozinha: “O melhor produto fica com cozinheiros portugueses. Quem quiser conhecer tem de vir a um dos nossos locais”, em visitas que apresentam o modo de produção artesanal.

Inovar, diversificar e cuidar do território

Com pequenas produções, incapazes de concorrer com a escala de produção global, inovar e diversificar torna-se indispensável para equilibrar as contas. É o que tem feito José Azóia, jovem agricultor que depois de correr o mundo regressou a casa, em Santarém, para instalar a Egocultum, que produz grão-de-bico a partir das sementes mais resistente e generosas, selecionadas a partir da exploração familiar. “Como somos muito pequenos à escala global temos de encontrar novos produtos e diferentes maneiras de trabalhar o produto”, bem como “diversificar os canais de escoamento”. Atualmente, o cultivo sob a chancela Casal Vouga “é bom para os solos e pode ser vantajoso economicamente se conseguimos transformá-lo”, assegura.

Preservar a paisagem

A mais premente adaptação dos negócios agrícolas é face às alterações climáticas. Se nos tanques onde crescem as ostras da Neptun Pearl Célia Rodrigues já teve de aumentar os muros devido à subida do nível da água, em Santarém José Azóia tem abraçado a agricultura regenerativa.

Já para o proprietário da Quinta da Porta, encostada à serra da Estrela, é importante refletir sobre o facto de serem os agricultores quem “cuida do território na primeira linha”. Considera que “deviam ser dados incentivos próprios” tendo em vista não apenas a produção, mas também a preservação da paisagem. José Castelo Branco reflete sobre as particularidades do sector primário e afirma que “a agricultura é um modo de vida”, em que não se corre o risco de deslocalizar o negócio: “A atividade agrícola e piscícola é ligada a formas de vida. Aquilo que criamos e investimos é neste território e fica cá”, destaca.

A laborar na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim, Jorge Raiado garante ser “o principal cuidador” e responsável por preservar o património. “Se não vender o meu produto [a flor de sal], a economia da reserva pode-se perder.” Aponta também para culturas que “não se enquadram com a economia local”, como o abacate, que gasta “um dos principais recursos [água]” enquanto falta “um plano para ressuscitar produtos naturais e endógenos”.

“Devia haver apoios para pequenas empresas altamente sustentáveis”, concorda Célia Rodrigues, que aponta ainda para a necessidade de ser o próprio Governo a “concorrer a fundos comunitários para apostar no marketing” deste tipo de produtos endógenos e certificados.

Futuro da PAC

Ao longo dos próximos meses, o Expresso vai discutir o futuro da Política Agrícola Comum (PAC). Prioridades para a Agricultura: rejuvenescer, digitalizar, inovar. Este ciclo de debates é cofinanciado pela União Europeia.

Textos originalmente publicados no Expresso de 28 de julho de 2023