As notícias são boas para os agricultores que reivindicam há muito um processo mais ágil para a criação de pequenas retenções de água nos terrenos. “Estamos a estudar a possibilidade de criar, a curto prazo, aquilo a que podemos chamar uma ‘via verde’ para a criação de charcas”, anunciou o secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Rodrigues, no debate “Mais agricultura, menos impacto, mais sustentável”, organizado pelo Expresso esta semana.
O governante adianta que a medida de apoio à instalação de charcas nas explorações agrícolas, visa “salvaguardar a produção pecuária” e poderá ser criada “nas próximas semanas”.
Na prática, para os agricultores, a alteração significa que não vão necessitar de um processo de licenciamento, “desde que cumprido um conjunto de questões do ponto de vista ambiental”, ficando apenas a seu cargo definir o ponto onde podem instalar a charca.
Sustentabilidade é prioridade
A sustentabilidade na agricultura foi outro dos temas do encontro, com os vários intervenientes a darem exemplos de que, hoje em dia, a prática está a ser aplicada em força no terreno.
José Pedro Salema, presidente da EDIA, entidade gestora do projeto Alqueva, fala da publicação, pela primeira vez, em 2023, de um plano anual de utilização de água, com algumas regras que limitam a utilização do recurso. O responsável reconhece terem enfrentado alguma resistência por parte dos agricultores, mas esclarece que as medidas não impedem o desenvolvimento de nenhuma atividade, antes impõem algum controlo.
“Sempre que fazemos uma mudança há alguma resistência. O que definimos é que o que cada um pode gastar está dependente da cultura instalada. No fundo, apontamos para que os agricultores estejam num equilíbrio económico, em que o consumo destes inputs lhes proporcione um melhor resultado económico de forma durável. Não interessa ter num ano 19 toneladas. Interessa é ter consistentemente 17,5 toneladas.”
José Pedro Salema compreende que o cálculo possa ser questionado por quem quer regar mais ou pretende estender a sua produção para lá da área inscrita. Mas, “nem sempre regar mais é sinónimo de maior produção”, insiste.
Produzir mais com menos
O Clube de Produtores Continente lançou, em 2021, a Declaração para a Sustentabilidade, alinhada com os princípios da estratégia europeia “do prado ao prato”, para ajudar os produtores a fazer esta transição.
“Estamos a olhar, por exemplo, para a questão da redução dos fertilizantes e dos pesticidas e a trabalhar com os nossos produtores numa certificação,” conta Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores Continente e diretora da qualidade e investigação na Sonae MC. Um dos objetivos da iniciativa é que os consumidores possam ter fruta e vegetais com zero resíduos ou com resíduos abaixo do limite detetável, em termos de pesticidas. É precisamente nesta indústria dos fertilizantes que a sustentabilidade tem provocado maior transformação.
“A agricultura, nas últimas décadas, tem mudado muito. Em 1950, um hectare de terra deveria alimentar duas pessoas. Em 2030, o mesmo espaço deverá alimentar mais de cinco”, lembra Marco Morais, diretor-geral da Timac Agro. “Tentamos trazer para o mercado soluções que ajudem o agricultor a fazer face a este desafio de produzir mais com menos”, continua.
Mas será a sustentabilidade sinal de encarecimento dos alimentos? “Poderá não ser. Mas debatemo-nos hoje em dia com alterações climáticas com impacto na produtividade e cada vez mais limitações. Há uma restrição crescente, por exemplo, ao nível das substâncias ativas que ajudam o agricultor a proteger as culturas e, portanto, compete-nos também, na fileira dos fertilizantes, trazer soluções que respondam a todas essas premissas”, diz o responsável da Timac Agro, destacando, por exemplo, soluções biológicas ou de resíduo zero.
Futuro não está só nos biológicos
A Política Agrícola Comum europeia, em particular no novo Plano Estratégico (PEPAC) para o período compreendido entre 2023 e 2027, aposta cada vez mais em medidas mais amigas do ambiente, mas que não passam obrigatoriamente apenas pela adoção de sistemas de agricultura biológica. O objetivo nacional de produção neste regime é de 19% até 2030. Mas, atualmente, este tipo de produção ronda apenas os 10%.
“O caminho terá de ser feito obrigatoriamente no equilíbrio daquilo que é a diversidade dos sistemas de produção. A agricultura biológica tem o seu espaço, principalmente porque do ponto de vista de uma franja de consumo, é valorizado. Temos é de ter como garantia que não é apenas a agricultura biológica que produz alimentos saudáveis mais sustentáveis”, avisa o secretário de Estado da Agricultura.
Ondina Afonso vai mais longe e afirma que a agricultura biológica não será, eventualmente, a resposta para a sustentabilidade. “Estamos a trabalhar com os produtores num programa de agroecologia e da agricultura regenerativa, caminhos mais holísticos em termos de sustentabilidade. A curto prazo vamos ter produtos hortofrutícolas desses sistemas,” anuncia.
Marco Morais alerta para os custos: “Temos de responder àquilo que o mercado necessita, estando conscientes de que a agricultura biológica normalmente implica mais custos, com menos produtividade e menos receitas.”
“Temos de ter como garantia que não é apenas a agricultura biológica que produz alimentos saudáveis e mais sustentáveis”, aponta o secretário de Estado da Agricultura
FUTURO DA PAC
Ao longo dos próximos meses, o Expresso vai discutir o futuro da Política Agrícola Comum (PAC). Prioridades para a Agricultura: rejuvenescer, digitalizar, inovar. Este ciclo de debates é cofinanciado pela União Europeia.
Textos originalmente publicados no Expresso de 9 de junho de 2023