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Com a idade é mesmo preciso combater a gripe

Vírus: influenza pode ser o “gatilho” para a perda de autonomia e aumento da mortalidade em internamentos por gripe na população idosa. Mas a prevenção faz a diferença. Até janeiro foram administrados 2,3 milhões de vacinas

Teresa Sanches e José Manuel Fonseca, residentes da Casa do Artista, fazem questão de vacinar-se contra a gripe anualmente
Nuno Fox

Francisco de Almeida Fernandes

Mais do que febre, tosse e dores no corpo, a gripe pode desencadear complicações graves na saúde dos mais vulneráveis. Os idosos fazem parte deste grupo, considerado prioritário para a vacinação anual preventiva, e estão entre aqueles que mais sofrem quando a infeção causa doença grave. “A gripe é, muitas vezes, o acontecimento primário que condiciona o desenvolvimento de outras situações como a pneumonia”, apontou Carlos Robalo Cordeiro, diretor do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, à margem da quarta edição da Flu Summit, que decorreu esta semana em Lisboa. Os números do estudo BARI — Burden of Acute Respiratory Infections, que analisou as épocas gripais entre 2008 e 2018 em Portugal, reforçam o elo de causalidade entre a infeção por influenza e o aumento de internamentos hospitalares por doenças respiratórias ou cardiovasculares associadas à gripe — cerca de 51,5 em 100 mil habitantes, valor que sobe para 199,6 nos doentes com mais de 65 anos.

A particular fragilidade desta população em relação aos impactos da doença explica-se, segundo os peritos, por vários fatores. A idade é um dos principais, já que potencia a diminuição das defesas do sistema imunitário, a que se juntam as chamadas comorbilidades. São patologias como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), a diabetes, insuficiência renal ou insuficiência cardíaca, que agravam o risco de complicações. “Isto significa que, direta e indiretamente, a infeção pelo vírus influenza vai ter impacto na ida às urgências”, explica o pneumologista Filipe Froes. Aliás, o BARI evidencia não só a sobrecarga dos serviços de saúde, como sublinha que a faixa etária com 65 ou mais anos e doenças crónicas associadas apresenta uma taxa de mortalidade, em internamentos por gripe, de 9,9%. São 1,5 vezes mais do que as pessoas com a mesma idade, mas sem comorbilidades.

Porém, a gripe representa outros perigos para a população idosa. A coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, Sofia Duque, fala mesmo na possibilidade de “deterioração da capacidade cognitiva” e funcional decorrente de uma agudização da doença. “A gripe pode ser o gatilho para uma deterioração importante da capacidade de as pessoas idosas fazerem a sua vida diária e estas consequências podem ser irreversíveis”, avisa. Este caminho de perda de autonomia e qualidade de vida leva, com frequência, a uma “precipitação da institucionalização” em lares e serviços de cuidados continuados.

Fechar a porta ao vírus

Em Portugal, a cultura de prevenção associada à imunização contra a gripe tem garantido taxas de cobertura vacinal entre as melhores da Europa. De acordo com dados do Vacinómetro, mais de 83% das pessoas com 65 ou mais anos aderiu à vacinação na época 2022/2023. Até janeiro foram administrados 2,3 milhões de vacinas para a gripe em todo o país, a maior parte (1,7 milhões) em conjunto com a dose de reforço para a covid-19. Na Casa do Artista, residência para idosos em Lisboa, os 74 utentes “querem sempre ser vacinados” contra o vírus da influenza e as vantagens, garante Luís Paulino Pereira, são evidentes. “Temos conseguido diminuir as complicações associadas à gripe”, aponta o médico responsável pela instituição.

Graça Freitas, de saída da Direção-Geral da Saúde, foi homenageada no evento pela gestão da pandemia de covid-19
Ricardo Lopes

Contudo, os números elevados da vacinação em idosos, diabéticos (90%) ou doentes cardiovasculares (85%) não se verifica entre os profissionais de saúde, que registam uma taxa de apenas 52%. Durante a Flu Summit, os especialistas presentes defenderam ser necessário apostar em sensibilização deste grupo profissional e aumentar o acesso a esta arma preventiva. António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, considera mesmo que a imunização contra a gripe nestes agentes da saúde “é uma questão de respeito e de ética”, mas também uma forma de evitar a transmissão da infeção a doentes fragilizados. “Temos de mostrar que já nos vacinámos, até porque não o fazer gera desconfiança por parte do doente”, assinala.

Proteção reforçada

Desde outubro, a novidade foi a introdução da nova vacina de dose elevada, exclusivamente aplicada a idosos institucionalizados — foram usadas 116 mil unidades, das quais 85 mil em pessoas com mais de 80 anos. Trata-se de uma vacina mais forte e especialmente desenhada para aumentar a resposta do sistema imunitário e que, de acordo com o estudo DanFlu-1, apresenta evidências da sua eficácia. O professor Tor Biering-Sørensen, coordenador da pesquisa dinamarquesa, concluiu que os vacinados com dose elevada apresentaram um risco 50% mais baixo de morte por qualquer causa. Em simultâneo, a taxa de internamentos por pneumonia ou gripe “foi reduzida em quase dois terços”. O desafio deixado pelas principais sociedades médicas portuguesas, que vão publicar em breve um documento de consenso sobre o tema, é para que as autoridades de saúde em Portugal alarguem os critérios de elegibilidade desta vacina a todos os doentes idosos e crónicos, independentemente de viverem, ou não, num lar. “Indiscutivelmente, isto é um avanço significativo no combate à gripe e às suas principais complicações”, remata Filipe Froes.

Desafios da gripe

“Unidos além da gripe” foi o lema da edição 2023 da Flu Summit, organizada pela Sanofi e à qual o Expresso se associou. Participaram especialistas e representantes de instituições de saúde públicas e das principais sociedades médicas nacionais. Entre outros temas, debateu--se o impacto da gripe no SNS e esteve em análise a primeira época de aplicação da nova vacina disponível.

Textos originalmente publicados no Expresso de 10 de março de 2023