Projetos Expresso

Apoiar idosos é o desígnio de milhares de voluntários

Solidariedade: num Portugal desigual, há voluntários espalhados pelo país que levam refeições a casa, fazem obras de bricolage, distribuem afeto e companhia pelos mais isolados e ajudam os mais velhos

Centenas de voluntários juntaram-se à Associação Amigos da Estrela para distribuírem cabazes alimentares pelos mais carenciados
Nuno Botelho

Na semana passada, em vésperas do Natal, os dias foram agitados para os voluntários da Associação Amigos da Estrela. A operação envolveu 300 pessoas, que, no fim do seu dia de trabalho, destinaram algumas horas a transportar cabazes de alimentos para famílias carenciadas da Grande Lisboa. Mas o trabalho da instituição (uma das distinguidas com o Prémio BPI Fundação “la Caixa” Seniores) vai muito além do apoio nesta quadra: aqui transformam-se vidas, tal como milhares de voluntários fazem por todo o país.

€1,3 milhões foi o valor distribuído por 36 instituições que prestam apoio aos mais idosos. O objetivo é impulsio­nar projetos que promovam a autonomia pessoal e o bem-estar das pessoas com mais de 65 anos, com enfoque no fortalecimento das relações interpessoais, na prevenção de situações de fragilidade e isolamento. Maria João Sousa, presidente da associação, que recebeu €32 mil, diz que o prémio vai permitir “escalar o projeto” dos Amigos da Estrela. “Vamos conseguir chegar a mais pessoas e trabalhar a sustentabilidade do próprio projeto, para que viva além deste prémio”, afirma. Com sede em Lisboa — à qual se referem como ‘casa’ —, é aqui que se reúnem muitos dos utentes das várias iniciativas que a associação promove, para participarem em diferentes ateliês, aquisição de novas competências e fazer a ponte com mais de 100 parceiros para recuperar, requalificar e capacitar a vida dos mais frágeis.

Nascido em 2017 para combater a exclusão social, o projeto evoluiu para o apoio domiciliário durante a pandemia e no acolhimento dos refugiados da Ucrânia, quando rebentou a guerra. O prémio destina-se à dinamização dos ateliês de costura, artes e culinária, com apoio de voluntários e com vista a distribuir produtos por famílias carenciadas. “Estes ateliês dirigem-se a seniores com 65, pessoas desempregadas e jovens com necessidades especiais, para sairmos um pouco da lógica do centro de dia”, diz Maria João Sousa.

Num país marcado por fortes desigualdades, é no interior que os idosos vivem em maior isolamento. Sem rede familiar ou laços sociais, muitos dependem da intervenção de projetos como o do Jardim Social do Canedo, contemplado com um prémio na ordem dos €50 mil. Através de uma carrinha que se desloca regularmente ao encontro dos utentes, “o principal objetivo é atuar no declínio cognitivo dos idosos da comunidade, através de atividades de estimulação cognitiva e sensorial”, explica a diretora técnica, Cândida Silva.

Com o financiamento, será possível chegar a novas pes­soas com a carrinha provida de equipamentos de snoezelen — um conceito holandês que proporciona experiências multissensoriais — e “alcançar os idosos com mais dificuldade de mobilidade”, aponta Cândida Silva. “Além das melhorias no desempenho cognitivo, também é esperado que as tera­pias tenham um efeito positivo na qualidade de vida e estado emocional dos utentes.”

Se o envelhecimento em Portugal é uma realidade — somos o quarto país mais envelhecido do mundo —, muitas vezes o fim do trabalho chega antes da idade. É para pessoas aparentemente velhas para arranjar trabalho, mas ainda novas para a reforma, que nasceu a 55+, até porque os números não enganam: Portugal tem mais de 2,5 milhões de pessoas inativas com mais de 55 anos.

“O prémio vai permitir disponibilizar mais serviços executados pelos nossos especialistas [que são remunerados]”, explica André Moreira, coordenador do projeto, que pretende valorizar o conhecimento e a experiência dos desempregados seniores. “São pessoas com muitos conhecimentos úteis, como bricolage ou apoio a crianças e animais de estimação.” Um dos serviços que oferecem, por exemplo, é utilizar os conhecimentos culinários desta população para fazer “jantares com um chefe ao domicílio ou simplesmente deixar refeições feitas para uma semana”, conta.

Pirâmide invertida dificulta

É fundamental promover a autonomia e desenvolver medidas para lidar com a transição demográfica

Portugal é um dos países do mundo onde a transição demográfica acontece de forma mais acentuada. Só para termos uma ideia, em 1990, por cada centena de idosos, o país tinha 65 jovens. Hoje, a pirâmide está invertida: existem 187 idosos por cada 100 jovens. Trata-se de uma das faixas etárias mais fragilizadas da nossa sociedade. É por essa razão que Manuel Caldas de Almeida, presidente da União das Misericórdias, insiste no apoio domiciliário e num “diálogo construtivo entre os ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e das Finanças e Saúde”.

“O sector a que prestamos cuidados é o mais desprotegido financeiramente. E as verbas são sempre escassas, porque as reformas são baixas, principalmente na atual conjuntura”, caracterizada “pela guerra e aumentos generalizado dos preços”, afirma Manuel Caldas de Almeida, para quem Portugal — e o terceiro sector — enfrenta desafios enormes. Parte da solução, sobretudo para os idosos com plenas capacidades, passa pelo investimento no trabalho sénior, como forma de manter alguma atividade e reforçar as finanças.

Num país onde o fim da atividade profissional significa para muitos o início da degeneração cognitiva, António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia, lembra a importância do apoio domiciliário, que considera uma das formas mais eficazes de combate à solidão. “Uma das nossas missões é não fazer caridade, é autonomizar, e tentarmos sempre que os nossos apoios incluam a promoção da autonomia.”

Distinguidos com o prémio Seniores

  • Alzheimer Portugal — Delegação da Madeira
  • Amigos da Estrela — Associação de Solidariedade Social
  • Associação Centro Medicina Digital P5
  • Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho
  • Associação de Socorros da Freguesia da Carvoeira
  • Associação Fraterna de Prevenção e Ajuda
  • Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Penela
  • Casa do Povo do Alvito
  • Centro de Bem-Estar e Repouso da Paróquia de Sever
  • Centro Social da Paróquia de Ferreiros
  • Centro Social de Vila Cã
  • Centro Social e Cultural de São Pedro do Bairro
  • Centro Social Paroquial Nossa Senhora de Fátima
  • Centro Social, Cultural e Recreativo da Carregosa
  • Cercifeira
  • Compassio — Associação para a Construção de Comunidades Compassivas
  • Complexo de Neurointervenção da Cruz Vermelha Portuguesa
  • Cruz Vermelha Portuguesa — Delegação de Aveiro
  • EM DIÁLOGO — Associação para o Desenvolvimento Social da Póvoa de Lanhoso
  • Fundação AMI
  • Fundação de Nossa Senhora da Guia
  • Fundação Otília Pessoa Murta Lourenço e Marido, Dr. José Lourenço Júnior
  • Fundação Patronato de Santo António
  • Grupo de Ação Social do Porto — GASPORTO
  • Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Redinha
  • Irmandade e Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso
  • Movimento 55+ Associação
  • Movimento Transformers
  • Nascentes de Luz — Associação de Apoio à Família
  • O Jardim — Centro de Solidariedade Social do Canedo
  • Projecto Alkantara — Associação de Luta Contra a Exclusão Social
  • Rio Neiva — Associação de Defesa do Ambiente
  • Santa Casa da Misericórdia de Espinho
  • Santa Casa da Misericórdia de Fátima-Ourém
  • Santa Casa da Misericórdia de Santiago do Cacém
  • Sociedade Filarmónica de Apoio Social e Recreio Artístico da Amadora

PROJETO SOLIDARIEDADE

O Expresso associa-se, pelo quarto ano consecutivo, ao BPI e à Fundação “la Caixa” para debater os desafios da solidariedade, do terceiro sector, das instituições que apoiam a infância, os jovens, os adultos, os seniores e as pessoas com deficiência.

Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de dezembro de 2022