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“É por causa das pessoas” que em Alfinetes se respira Tejo

Lisboa. Em Marvila, os moradores dedicam-se à relação entre vizinhos, promovendo a cidadania e a inclusão. Começou no Bairro dos Alfinetes, mas já chega ao Marquês de Abrantes, Salgadas e Chalé, que são tão próximos que parecem um só

Ana Baptista

Tina, 52 anos, lembra-se bem da data em que se mudou para o Bairro dos Alfinetes, em Marvila. “Foi a 19 de setembro de 1999”, diz. Ao contrário da maioria dos moradores deste bairro de Lisboa, Tina não morava “nas barracas”, mas “numa casa particular no Poço Bispo”. “A casa era por baixo da linha do comboio, caiu um bocado e acharam que não era seguro e tiraram-nos de lá”, conta. Foi então morar para os primeiros prédios do bairro social dos Alfinetes, construídos entre 1995 e 1998, e foi ali que acabou de criar os três filhos, passou a cuidar dos sete netos e ajudou muitas crianças “a passar de ano”, evitando que fossem “parar à má vida”. E é ali que, agora que já está reformada por invalidez, faz da melhoria do bairro e do apoio aos vizinhos a sua missão. Por iniciativa própria e como membro do grupo comunitário 4Crescente, uma organização que tem como objetivo melhorar o bairro e a relação entre vizinhos e cuja influência e intervenção já se alastra dos Alfinetes aos três bairros sociais adjacentes: Salgadas, Marquês de Abrantes e Chalé. “Foi muito feliz encontrar um grupo como este. Integra pessoas de várias etnias, o que faz com que os moradores se sintam incluídos, e são um exemplo de capacitação e de participação cívica da população”, diz o presidente da junta de freguesia de Marvila, José Videira.

Criado em 2015, é composto pela Tina, a fã de Tina Tuner; o sr. Lino, com quem não conseguimos chegar à fala; a Teresa Romão, 46 anos, que depois de 28 anos a trabalhar numa loja no Martim Moniz, mudou-se “para as limpezas” para se poder dedicar mais ao grupo; o sr. Ernesto, um serralheiro reformado de 73 anos e o artista do bairro, criador de casas de madeira em miniatura; e a Cristina Santos, 56 anos, uma mulher de armas que veio das barracas da Curraleira para os Alfinetes há 20 anos e que começou a melhorar o bairro quase desde o primeiro dia, “com muita conversa e insistência”.Juntos, já conquistaram vários objetivos. Um deles foi diluir a difícil convivência que pode haver nos bairros sociais entre moradores de diferentes origens, até porque nestes bairros juntam-se pessoas das barracas dos antigos Bairro Chinês, Curraleira ou Marquês de Abrantes, e ainda moradores de etnia cigana e africana. E outro foi promover a relação entre vizinhos, com a organização de festas ou como uma simples iniciativa da Tina. “Se não vejo alguém há uns três dias, vou lá ver como ele está, e quero que outros também façam isso”, explica. Por isso é que Cristina nota “que se sente segura aqui”, Teresa diz que gosta “da convivência com os vizinhos”, Francisco Vilas, 57 anos e morador do Bairro Marquês de Abrantes, garante que “todos se dão bem”. Adriana, de 17 anos, completa: “Todos se conhecem e podemos andar na rua à vontade.” Aliás, quando perguntamos porque é que gostam de morar ali, há uma resposta comum: “É por causa das pessoas.”

Melhorar os espaços públicos

Outra conquista do grupo 4Crescente foram as melhorias que já conseguiram fazer nos espaços públicos e nos prédios. Por exemplo, com o apoio da Rés do Chão, uma organização que faz projetos de arquitetura e urbanismo, montaram um palco fixo no descampado com vista para o Tejo que fica em frente à casa da Cristina e da Teresa e onde, se tudo correr como previamente anunciado pela autarquia, deverá nascer um jardim. Também requalificaram a Praceta A, um pátio entre prédios onde Cristina pôs os miúdos que estragavam os canteiros a plantar flores e a embelezar o espaço. Criaram uma “miniloja do cidadão” onde ajudam a preencher documentos ou a marcar consultas e integram o projeto Semáforo, que se reúne uma vez por mês para identificar os problemas do bairro, nem que seja um simples caixote do lixo partido, e depois os reportam à câmara e à junta, conta Teresa. “Viemos todos de bairros de lata e progredimos para o bairro social, mas ainda havia muito aquela coisa de porque é que vou fazer se depois vão partir. Mas se não fizermos, nunca vamos ter nada”, desabafa Cristina.

IDEIAS PARA UM BAIRRO FELIZ

  • “Num bairro, vale tanto o conhecimento popular como o do cientista ou da pessoa formada”, diz a especialista em geografia física, Ana Monteiro
  • “São precisas infraestruturas físicas onde não haja vergonha cultural”, sugere o sociólogo João Teixeira Lopes

O que é o “Bairro Feliz”

O projeto

O “Bairro Feliz” é uma iniciativa do Pingo Doce, a que o Expresso se associa, e que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais ou grupos de vizinhos inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros. As ideias são depois analisadas por um painel de jurados e levadas a votação popular nas lojas.

As ideias

Enquadram-se em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação; saúde, bem-estar e desporto.

O prémio

Inscreveram-se associações, IPSS, fundações, cooperativas, entidades públicas ou privadas, e grupos de vizinhos com cinco pessoas. Cada vencedor ganha até €1000 para desenvolver o projeto.

Os prazos

As candidaturas já terminaram e estão agora a ser avaliadas pelos jurados. Serão coladas nas lojas para votação de 10 de setembro a 22 de outubro.

Saiba mais

AQUI. E acompanhe no Expresso e na SIC.

Bairros mais felizes

O que pode tornar os nossos bairros melhores? Que ideias novas, que projetos? O que precisamos para melhorar a nossa qualidade de vida? Pelo segundo ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto “Bairro Feliz”, um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias. Acompanhe a nossa viagem ao longo dos próximos meses, do Continente à Madeira e aos Açores. Sempre nas páginas do Expresso.

Textos originalmente publicados no Expresso de 8 de julho de 2022