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“A falta de recursos humanos no SNS é o elefante na sala”

Mais contratações não resolvem, só por si, os problemas do Serviço Nacional de Saúde. É preciso garantir planeamento a longo prazo, investir mais em prevenção e promoção da saúde, e organizar o sistema com o foco na prestação dos melhores cuidados, de forma integrada, ao cidadão. Conclusões, que são também desafios, retiradas da conferência ‘Parar para Pensar: Saúde’, que decorreu esta tarde, com transmissão direta através do Facebook do Expresso

A conferência 'Parar para Pensar: Saúde' juntou André Peralta Santos, Bruno Maia, Sónia Dias, Luís Goes Pinheiro e Guilherme Monteiro Ferreira num debate sobre os desafios do sector
Joao Girão

Fátima Ferrão

Na véspera da aprovação, em Conselho de Ministros, do tão aguardado Estatuto do SNS, o Expresso desafiou um conjunto de especialistas em diferentes vertentes do sector da saúde para discutir os desafios que se colocam no pós-pandemia. Os recursos humanos, ou a falta deles, tem marcado a atualidade e é, neste momento, uma das faces mais visíveis das fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O que faz falta para resolver este problema, que já é antigo, mas que se agravou durante a pandemia? Será uma questão puramente financeira ou também de planeamento?

“Não há uma solução única”, aponta Sónia Dias. Para a diretora da Escola Nacional de Saúde Pública, que participou na conferência ‘Parar para Pensar: Saúde’, uma iniciativa do Expresso com o apoio da Deco Proteste, qualquer resposta a estes desafios deve ser multidisciplinar e integradora, nomeadamente, e como acrescenta Guilherme Monteiro Ferreira, garantindo ao nível político, “a concertação social entre partidos com o objetivo de resolver os problemas do SNS”. O diretor de acesso ao mercado e assuntos externos na GSK também marcou presença no debate desta tarde, num painel que contou ainda com a participação de Bruno Maia, neurologista e intensivista, Luís Goes Pinheiro, presidente do Conselho de Administração dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), e de André Peralta Santos, especialista em Saúde Pública e ex-dirigente da DGS.

Os recursos humanos são, contudo, a prioridade neste mar de problemas. Para André Peralta Santos esta é uma questão essencial, mas que deve ser pensada a longo prazo e otimizada entre o sector público e o privado que, acredita, têm que ser complementares. Mas, na opinião de Bruno Maia, esta complementaridade tem que ser bem definida pois, a manter-se o “círculo infernal que temos agora, no futuro teremos um SNS para pobrezinhos”. Para o neurologista, apesar da grande parte dos profissionais de saúde quererem ficar no SNS, a falta de condições de trabalho, os níveis remuneratórios ou a falta de valorização do trabalho científico continuam a empurrá-los para o sector privado. “Há um elefante na sala, que é a falta de recursos humanos no SNS, e uma convivência predatória com o privado que é preciso travar”.

A conversa, moderada pela jornalista da SIC, Marta Atalaya, foi transmitida através do Facebook do Expresso, onde poderá ainda ver ou rever as opiniões dos especialistas convidados.

Luís Goes Pinheiro lembrou a importância da linha SNS24 durante a pandemia
Joao Girao

Mais conclusões:

  • Em Portugal, o serviço de urgência é, na opinião de André Peralta Santos, “excelente, mas muito intenso em capacidade de trabalho e muito exigente em recursos”. O país é ‘campeão’ internacional na utilização das urgências por necessidade e por falta de resposta dos cuidados de saúde primários, que é essencial reforçar.
  • “Enquanto não resolvermos o problema da falta de médicos de família, também não resolvemos o problema das urgências”, acredita Bruno Maia. A região de Lisboa continua a ser a mais carenciada em número de médicos de família.
  • Os problemas nas urgências, apesar de crónicos, tornaram-se mais visíveis com a pandemia e pelo cada vez maior impacto das desigualdades sociais. “Os determinantes sociais da saúde – pobreza, educação, habitação, empregabilidade – têm um grande impacto na saúde da população e são desafios complexos de saúde pública”, defende Sónia Dias, que acredita que a solução passa por uma maior articulação entre cuidados de saúde primários e hospitalares, mas também com o sector social.
  • “A pandemia ajudou a mudar as mentalidades quanto à utilização das tecnologias na saúde”. Para Luís Goes Pinheiro, o investimento nesta área é crucial para alavancar os cuidados, mas é preciso garantir o acesso de todos, através de diferentes formas, adequadas às necessidades de cada um. As tecnologias são muito importantes nos cuidados primários como, por exemplo, uma telemonitorização mais abrangente de doentes crónicos que, assim, permite libertar recursos nos cuidados hospitalares.
  • O subfinanciamento crónico do SNS é uma realidade, mas faltam modelos operacionais eficientes que promovam mais e melhores estratégias preventivas que “garantam uma gestão mais eficaz e eficiente do sistema de saúde”, afirma Guilherme Monteiro Ferreira.