Projetos Expresso

Viagem pelos ‘bairros felizes’ de Portugal. Capítulo 2: Videmonte

Durante os próximos seis meses, e a propósito da iniciativa Bairro Feliz do Pingo Doce, o Expresso vai andar pelo país, incluindo Madeira e Açores, à procura de bairros onde haja um espírito de comunidade e onde os seus moradores se sintam bem, apesar das dificuldades e problemas que lá possam existir. Porque não há bairros perfeitos, mas há bairros felizes.

Ana Baptista

No segundo capitulo desta viagem, descemos da Foz, no Porto, até Videmonte, uma pequena aldeia a 20 minutos da Guarda que, apesar de escondida entre montes, tem conseguido manter quem lá nasceu, trazer de volta quem saiu, e até atrair novos moradores. A proximidade à capital de distrito é uma das razões para essa realidade, mas os moradores de Videmonte apontam outras como o ar puro, o sossego, o convívio e solidariedade entre habitantes e, muito importante, a abundância de água. Tanto a que é boa para beber e corre sem parar nos 12 chafarizes da aldeia, como a que corre nos ribeiros, permitindo que a agricultura e a pastorícia se mantenham como uma das principais atividades.

Claro que já não é como antigamente, como conta Manuel Proença. “Quando era miúdo, nos anos 60, havia mais de 100 juntas de bois e uns 15 moinhos para moer o centeio que se semeava na aldeia. Hoje, já não há juntas nem moinhos, e o centeio que se cultiva só dá para alimentar os animais”, diz. Há ainda alguns criadores de ovelhas e cabras que depois vendem o leite para fábricas ou que fazem queijos, acrescenta. Ainda assim, quando comparada com outras freguesias em redor, esta é das que ainda tem mais agricultura, repara Américo Simão, 47 anos, que se mudou de Maçainhas para Videmonte quando casou, há 20 anos. De facto, quase todos os habitantes da aldeia - empregados ou reformados, novos ou velhos - têm uma horta ou campos cultivados ou animais para criar.

Estas razões já seriam mais que suficientes para esta aldeia banhada pelo rio Mondego ser considerada um “bairro feliz”, mas para o vice-presidente da junta de freguesia, Afonso Proença, e para a diretora do lar, Cátia Pires, há um outro fator decisivo: haver emprego. “Aqui não há pessoas desempregadas e nunca houve”, garante Afonso. E explica: “Antigamente, a maior parte trabalhava nas fábricas de têxteis que havia na freguesia dos Trinta [a sete minutos de carro], mas entretanto fecharam e agora temos cá uma construtora e uma empresa de limpeza de terras que dão trabalho a muita gente”, conta. O lar é outro dos maiores empregadores da aldeia: dos 27 funcionários, 24 moram em Videmonte. “A qualidade de vida é significativa aqui e há recursos na aldeia”, repara Cátia Pires.

Pão e água

Diz a lenda que Videmonte nasceu quando um fidalgo rico de Monte acolheu as gentes de Vide quando esta estava a ser atacadas por formigas gigantes e, desde então, a solidariedade entre moradores e entre habitantes e visitantes é um dos cartões de visita da aldeia. “Água e pão nunca se negam a ninguém” é o lema de Videmonte. Porque há muita água, e boa para beber, e porque havia muito centeio e se fazia ali muito pão. Agora, como há menos campos de centeio e não há moinhos, o pão que se faz é, na sua maioria, para consumo próprio ou para vender no Festival do Pão, um evento que acontece no final de julho e durante o qual o forno comunitário volta a ligar-se para cozer pão, bolas de carne e outros petiscos.

Viver da terra

“Nunca fui de gostar muito da escola, eu gostava era da agricultura e para as pessoas serem felizes têm de fazer aquilo que gostam”. Aos 65 anos, José Lopes continua a trabalhar com tratores, moto-serras e lenha e ainda se dedica à agricultura e à criação de animais, como porcos. “Agora tenho lá um de 200 quilos. É metade de uma vaca”, conta, sorrindo. Mas será para consumo próprio, não para vender. “Eu gosto muito de comer e como sou diabético às vezes faço umas asneiras”, mas na aldeia “é conhecido por ser o gajo mais duro de Videmonte”. Joana, a lisboeta de 30 anos que se mudou para Videmonte há cerca de um ano para montar uma quinta e ter autonomia alimentar, também já cultiva “batata, ervilha, alface, tomate, cebola, alho, courgetes, morangos e mostardas” e já tem “seis galinhas e um galo”, mas o objetivo “é ter mais”. Alcina, 50 anos, natural de Videmonte, é pastora e uma das duas queijeiras da aldeia. “Os meus pais já eram pastores e ao início não era a vida que queria, mas casei cedo, aos 19 anos, também com um pastor que tinha cabras e ovelhas, e fui-lhe tomando o gosto. E ir viver para a Guarda estava fora de questão. Sou uma pessoa da terra e gosto da aldeia”, conta.

O lar

Começou por ser uma creche que estava aberta 24 horas por dia, porque era lá que os trabalhadores das fábricas de têxteis de Trinta deixavam os filhos. Mas depois as fábricas começaram a fechar e também começou a haver cada vez menos crianças na aldeia, e a creche transformou-se num lar e centro de dia com apoios ao domicílio. É um edifício recente e moderno, de 2002, que fica numa das pontas da aldeia, rodeado de campos e hortas onde às 19h ainda se espalha feno e trata da terra. A essa hora, no lar, alguns dos 40 utentes estão sentados a ouvir a missa no canal Fátima enquanto esperam pelo jantar e Aristides, 58 anos, prepara-se para fazer as entregas ao domicílio. Ao jantar são só quatro entregas, mas ao almoço são nove. “Hoje foi canja, jardineira e salada de frutas e damos tanta comida que alguns guardam para a noite. Aqui fazemos o que gostamos e temos a felicidade de poder dar um ótimo serviço”, diz Edite, uma das funcionárias do lar. A primeira paragem de Aristides é na casa de Paulo Jorge Preta, 55 anos. “Sou sozinho e trabalho na construção civil aqui em Videmonte e nas aldeias à volta, e recebo o almoço e o jantar”, conta. Aristides já nem precisa de tocar. Abre a porta da oficina, troca o cesto do almoço pelo do jantar e segue para a próxima entrega.

O café/bar Videmonte

Fica ao lado da Igreja e do campo onde decorre o Festival do Pão e é o ponto de encontro da aldeia. O corrupio de moradores não pára, principalmente à tarde, depois do dia de trabalho. Rui Carvalho, funcionário da junta de freguesia que fica no mesmo edifício, é um dos clientes habituais. Natural de Videmonte, tem 37 anos e já esteve imigrado na Suíça, mas não gostou. “A vida não é só ganhar dinheiro. Na Suíça não se consegue sair do trabalho e vir beber um copo com os amigos. Isso não tem preço”, diz. Além de se dedicar à sua quinta, Joana está também, desde fevereiro, a gerir o café/bar, cuja concessão pertence agora aos seus pais. “Largaram tudo. Venderam a casa em Lisboa e compraram aqui uma e como o café estava fechado desde dezembro, porque a concessão tinha acabado, a minha mãe decidiu pegar nisto”, conta.

As aulas de ginástica

Todas as semanas, às terças e quintas, às 15h, o centro cultural - que também fica no mesmo edifício da junta de freguesia e do café - abre as portas para aulas de ginástica para os maiores de 65 anos. Rodrigo Costa é o professor das quintas-feira. É formado em desporto e um dos instrutores do programa Mais 65 que percorre as freguesias do distrito da Guarda a dar aulas de ginástica. Antes de começar ainda há tempo para beber um café e trocar piadas com os alunos. “Gosto muito de vir aqui porque é uma aldeia muito dinâmica e as pessoas são muito bem dispostas. Diria mesmo que é a aldeia mais dinâmica do concelho”, nota. Na aula de quinta estavam seis pessoas, dois homens e duas mulheres, que chegavam pontualmente e entusiasmados, mesmo quando os braços “estalam” a cada vez que os rodam.