Joana nasceu em Lisboa, estudou Artes Plásticas nas Caldas da Rainha, apanhou fruta nas quintas de França e flores na Holanda, mas escolheu assentar em Videmonte, uma pequena aldeia a 20 minutos da Guarda, encavalitada entre montes e inúmeros ribeiros. Aliás, Joana, 30 anos, diz que foi lá parar por causa do pão, mas que foi a água que a fez ficar. “Vim cá em 2019 durante o Festival do Pão e, na altura, eu e o meu namorado andávamos à procura de quintas e de autonomia alimentar. Era julho, estava imenso calor e reparei que ainda estava tudo verde. Decidimos logo que era aqui, por causa da água”, conta. O vice-presidente da Junta de Freguesia, Afonso Proença, até diz que “há água a mais”, mas só porque não há pessoas que cheguem para trabalhar na agricultura e na pastorícia, duas atividades que se mantêm vivas na aldeia, não só para subsistência. “Quando trabalhava na construção chegava a casa e ia para a horta. Era como se fosse terapia”, conta Manuel Proença, 58 anos. Tanto assim era que quando deixou as obras dedicou-se à horta, à apanha de ervas aromáticas e ao fabrico de pão que depois vende na Guarda e em feiras por todo o país. Tudo com “levedura à moda antiga”, ovos das 23 galinhas que tem em casa e “azeite do bom”, explica. Joana também tem uma horta, galinhas — seis para já — e um galo, que se tornou agressivo e já tem destino: a panela.
Por isso é que no único café da aldeia — onde há um constante corrupio de pessoas de manhã à noite e onde Joana trabalha desde fevereiro — se diz que a lisboeta é uma lufada de ar fresco e a prova de que se pode ser feliz numa pequena aldeia, seja qual for a idade e a origem. Leonor nasceu lá, tem 11 anos, e a única coisa que não gosta em Videmonte é “ter de acordar às 6h30 da manhã para ir para a escola”. Tiago Tavares, de “21 quase 22 anos” e empregado numa empresa de ar condicionado na Guarda, garante que é feliz em Videmonte. “Se puder, não saio daqui. É a minha terra natal, mas também temos aqui um pouco de tudo. Temos o ar puro da serra [da Estrela], fazemos churrascadas em casa uns dos outros e, ao fim de semana, vimos aqui para o café até às 3 da manhã. Não precisamos de discotecas”, conta.Videmonte tem, de facto, uma dinâmica particular que mantém os que lá nasceram, atrai novos moradores e traz de volta os que imigraram ou saíram para estudar.
“Mais valia ir para Videmonte”
Andreia Proença, de 27 anos, é um exemplo disso. Numa conversa ao telefone enquanto estava de férias nos EUA, a gestora de produto na Farfetch, conta que foi estudar para o Porto e acabou por lá ficar a trabalhar, mas depois veio a covid e “para estar fechada num quarto, mais valia ir para Videmonte, onde está a família”. A ideia era regressar ao Porto, mas depois decidiu ficar. “Percebi que consigo estar aqui e ter uma vida social e ter mundo. Não só a comunidade é muito próxima como estou a 20 minutos de uma capital de distrito onde há atividades culturais e ligadas à natureza. Além disso, pago uma renda muito baixa e o que não gasto nisso e numa vida de cidade permite-me fazer o que estou a fazer agora, que é viajar”, diz. Há cerca de 30 anos, já o seu pai, Manuel Proença, tinha feito o mesmo. “Vivi em Genebra, na Suíça, e não troco Videmonte por nenhuma cidade. Aqui há sossego, há convívio, há trabalho.” E também água — nos ribeiros afluentes do rio Mondego, nos oito chafarizes e na praia fluvial da Quinta da Taberna. Há pão e queijos artesanais, há solidariedade e apoio entre moradores e até já há, desde outubro de 2021, um espaço de cowork tão moderno como qualquer outro numa grande cidade, com wi-fi, cozinha e até dois quartos. Uma ideia que partiu do projeto Aldeias de Montanha, coordenado por Célia Gonçalves, e onde Andreia passa agora os dias a trabalhar. “Há aqui muita coisa boa”, diz a pequena Maria dos Anjos que, aos 96 anos, só se queixa de uma coisa: o toque gravado do sino da Igreja. “Já pedi para baixarem, mas depois dizem que não se ouve no resto da aldeia.”
O que é o “Bairro Feliz”
O projeto
- O “Bairro Feliz” é uma iniciativa do Pingo Doce, a que o Expresso se associa, e que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais ou grupos de vizinhos inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros. As ideias são depois analisadas por um painel de jurados e levadas a votação popular nas lojas.
As ideias
- Enquadram-se em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação; saúde, bem-estar e desporto.
O prémio
- Inscreveram-se associações, IPSS, fundações, cooperativas, entidades públicas ou privadas, e grupos de vizinhos com cinco pessoas. Cada vencedor ganha até €1000 para desenvolver o projeto.
Os prazos
- As candidaturas já terminaram e estão agora a ser avaliadas pelos jurados. Serão coladas nas lojas para votação de 10 de setembro a 22 de outubro.
Saiba mais
- Em pingodoce.pt/bairrofeliz. E acompanhe no Expresso e na SIC.
Ideias para um bairro feliz
- “Ter árvores nas ruas pode diminuir três graus a temperatura do ar”, diz a socióloga Luísa Schmidt
- “É bom haver momentos recreativos, por exemplo, tirar os carros num fim de semana e ocupar as ruas com jogos”, sugere a engenheira Alexandra Monteiro
BAIRROS MAIS FELIZES
O que pode tornar os nossos bairros melhores? Que ideias novas, que projetos? O que precisamos para melhorar a nossa qualidade de vida? No segundo ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto “Bairro Feliz”, um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias. Acompanhe a nossa viagem ao longo dos próximos seis meses, do Continente à Madeira e aos Açores. Sempre nas páginas do Expresso.
Textos originalmente publicados no Expresso de 17 de junho de 2022