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Jorge Soares: “O financiamento à ciência é sempre insuficiente”

Mais investimento em investigação e maior aposta no trabalho científico em rede devem ser prioridades nacionais, defende o membro da Academia das Ciências de Lisboa. À boleia da abertura de candidaturas para a 8ª edição do Programa Gilead Génese, o médico patologista falou com o Expresso sobre a importância criação de conhecimento

Ana Baião

Francisco de Almeida Fernandes

A busca por novos medicamentos e terapêuticas é “um processo sem fim”, mesmo quando falamos de patologias há muito estudadas. “As doenças são experiências da natureza. Somos nós a tentar perceber as doenças e a encontrar medicamentos, e ela a encontrar mecanismos para escapar”, descreve Jorge Soares, antigo professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e atual membro da Academia das Ciências de Lisboa. Garantir apoio financeiro às atividades de investigação e desenvolvimento deve ser, defende, uma prioridade das sociedades contemporâneas e não apenas a nível nacional.

Apesar de considerar que “o financiamento à ciência é sempre insuficiente”, o perito em patologia e oncologia acredita que, mais importante ainda, é “ter uma boa colaboração dos cientistas” em redes internacionais para acelerar e enriquecer as descobertas. Aliás, diz mesmo que este é o papel primordial da ciência, uma atividade que se quer global e democratizada, ainda que os benefícios da sua aplicação prática nem sempre sejam bem distribuídos. “A aplicação varia nos países pobres, nos países ricos e nos assim-assim”, afirma.

“Mais do que criar condições locais, precisamos de ter uma boa colaboração dos cientistas e estarmos em boas redes internacionais”, afirma Jorge Soares, membro da Academia das Ciências de Lisboa

Neste campo, Portugal é frequentemente reconhecido como um centro de excelência no que à investigação diz respeito, mesmo que com dificuldades ao nível orçamental – em 2021, o montante gasto em atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) na ciência fixou-se em 1,6% do PIB. O Governo considerou tratar-se de um “máximo histórico”, ainda que o valor se mantenha abaixo da média europeia (2,2%).

Mais do que despesa, o investimento em ciência traz retorno muitas vezes de valor incalculável. Jorge Soares exemplifica com a experiência vivida durante a pandemia, quando a aposta de décadas na investigação do RNA mensageiro (mRNA) e a colaboração sem precedentes permitiu, em tempo recorde, o desenvolvimento de vacinas contra o SARS-CoV-2. “Hoje, a investigação é multinacional, colaborativa e exige redes. Se não fossem as redes, não tínhamos os ensaios clínicos para estas vacinas”, aponta. Contudo, os ganhos são também visíveis em áreas como a das hepatites virais crónicas, em particular na hepatite C, e do VIH, infeção que beneficia diretamente dos avanços na terapêutica que permite manter, a longo prazo, a qualidade de vida de quem vive com o vírus.

Apoiar ideias com potencial

Autor de mais de duas centenas de artigos científicos, e dono de um percurso diversificado na saúde, Jorge Soares olha para iniciativas como o Programa Gilead Génese como uma forma “da indústria farmacêutica devolver à comunidade científica, através de financiamento, uma fração do que se recebeu”. O programa dirigido a projetos científicos e comunitários regressa para a 8ª edição, numa iniciativa da Gilead a que o Expresso se associou, para apoiar as melhores ideias com bolsas de até €40 mil nas áreas da hemato-oncologia, VIH, hepatites virais crónicas, long covid e, pela primeira vez, do cancro da mama. “Aqui procuram-se boas ideias. Como acontece com as ideias, umas florescem e outras não”, refere Jorge Soares, que integra a Comissão Consultiva. Desde a criação destas bolsas, em 2013, foram escolhidos 89 projetos que beneficiaram de um montante superior a €1,98 milhões.

À semelhança das edições anteriores, serão privilegiados, na vertente de investigação, projetos que potenciem a geração de resultados em saúde, aplicação clínica e a implementação de sistemas de informação em saúde. Já na vertente comunitária, o objetivo é reunir ideias que promovam a qualidade de vida, o diagnóstico e a participação cívica. As candidaturas estão abertas até 15 de julho, através do site oficial, seguindo-se um processo de validação e avaliação. Os projetos agraciados com bolsas de financiamento serão conhecidos em cerimónia pública a realizar em novembro.

1,6%

foi a percentagem do PIB investida por Portugal em atividades de investigação e desenvolvimento em 2021. Representa um aumento face a 2020, quando se fixou em 1,4%