Projetos Expresso

Pandemia reduz consumo de combustíveis

Estudo. A covid reduziu o consumo de energia fóssil e fez cair as emissões de CO2, mostrando que os impactos deste vírus podem — e devem — servir para ensinar ao mundo aquilo que pode ser

GETTYIMAGES

Em abril de 2020, com a aviação e os transportes quase parados por causa da pandemia, o consumo de petróleo colapsou para os 20 milhões de barris por dia. Claro que, à medida que os vários países desconfinavam, a procura foi recuperando, mas manteve-se abaixo dos mais de 100 milhões de barris que eram consumidos diariamente antes da covid. O gás natural teve um comportamento semelhante, com uma quebra de 2,3%, e a procura de carvão também, recuando nos países da OCDE (onde se inclui Portugal) para o valor mais baixo desde 1965. Até a produção de eletricidade caiu, o que só aconteceu mais uma vez nos últimos 36 anos, mais precisamente em 2009, na altura de uma outra crise económica.

Olhando só para estes indicadores, e de um ponto de vista económico, o impacto da pandemia na energia foi “dramático”, pode ler-se no “BP Statistical Review 2021”, revelado a semana passada e onde também se encontram os dados mencionados. Mas há outros indicadores, estes mais positivos. Por exemplo, a descida da produção elétrica foi de apenas 0,9%, mostrando que o mundo está cada vez mais eletrificado, como se pretende. As energias renováveis continuaram a crescer, principalmente a solar, cujo consumo teve “um aumento recorde de 20%” e cuja capacidade instalada teve um crescimento “colossal” de 238 GW, “50% mais do que qualquer outra expansão” registada até agora pela BP. E, como consequência, as emissões de carbono provenientes da produção de energia caíram mais de 6%, para os níveis de 2011.

Juntando tudo isto — a descida do consumo das energias fósseis, o recuo das emissões e o crescimento das renováveis — e olhando para os dados de um ponto de vista ambiental, então o impacto da pandemia foi muito mais positivo que negativo. Aliás, a queda de mais de 6% nas emissões de CO2 é precisamente quanto elas têm de cair todos os anos, até 2050, para atingir as metas do Acordo de Paris e manter a subida da temperatura do ar num máximo de 1,5ºC a 2ºC por ano.

“Estas tendências são exatamente o que o mundo precisa para atingir o cenário de zero emissões”, diz o economista-chefe da BP, Spencer Dale, no “Statistical Review”. Mas estas tendências têm de ser atingidas num cenário de crescimento económico, e não de pandemia e de recessão, como aconteceu agora. E este é o “grande desafio”, não só porque “não podemos continuar em confinamento durante os próximos anos”, diz ao Expresso Richard de Caux, responsável pelo “Statistical Review” e pela área de Indústria e Edifícios, mas também porque, à exceção do crescimento das renováveis, todos aqueles resultados foram momentâneos.

O consumo de petróleo, gás natural e carvão subiu assim que os países começaram a desconfinar, ainda em 2020. E, à medida que a economia recupera, vai subir ainda mais. Por exemplo, segundo dados recentes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o consumo de petróleo já deve estar nos 98 milhões de barris por dia, ou seja, muito próximo do normal. E ainda estamos em pandemia e com restrições à circulação de transportes. O mesmo se passou com as emissões de CO2, que, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), em dezembro de 2020 já estavam nos níveis pré-crise ou pré-covid.

E depois há o impacto destas oscilações nos preços. Em Portugal, os preços dos combustíveis estão em máximos, porque os preços do petróleo também estão altos. E a eletricidade vai subir mais de 3%, porque o gás natural usado para a produzir está mais caro e porque as licenças de emissões de CO2 estão no nível mais alto de sempre.
Impactos positivos que se mantêm

Para o bem e para o mal, a maior parte dos efeitos da pandemia na energia foi e será momentânea, mas há outros que vão perdurar e que são “muito positivos”. Segundo escreve Spencer Dale no “Statistical Review”, existe um maior foco no ambiente e nas metas do Acordo de Paris. De facto, de acordo com a análise da BP, há cinco anos (em 2016) nenhum país tinha assumido de forma oficial o compromisso de emissões zero, mas hoje, além da União Europeia, há mais 10 países que já o fizeram e mais 34 que têm medidas em curso nesse sentido. Tudo somado, estes países representam 70% das emissões de CO2 do mundo, segundo dados da AIE citados no documento da BP. Além disso, em apenas um ano — de 2019 para 2020 — “o número de empresas com metas de zero emissões cresceu seis vezes, de 500 para três mil”, e houve uma “explosão” nos investimentos relacionados com sustentabilidade, que passaram de 30 mil milhões de dólares em 2015 para 330 mil milhões de dólares em 2020. “Penso que a covid fez com que as pessoas se empenhassem mais na sustentabilidade, porque se aperceberam da fragilidade de tudo, da natureza”, remata Richard de Caux.

Quatro perguntas a
Richard de Caux
Responsável pelo “BP Statistical Review of World Energy”

As energias renováveis foram as únicas que cresceram em 2020. Os preços mais baixos contribuíram para isso?
Em cinco anos, o preço das eólicas onshore caiu 40% e o solar, 55%. Toda a indústria ficou surpreendida. No “Outlook de 2016” [documento onde a BP traça os cenários possíveis do mercado energético] dizíamos que os preços das eólicas deveriam descer 15% e os do solar 20%. Mas foi muito mais que isso.

Porquê?
Há duas possíveis razões. Com mais construção, aprende-se mais, e quanto mais se faz mais depressa os preços baixam. E depois houve inovações que ninguém esperava.

Mas só as renováveis não chegam para atingir carbono zero. O que mais é preciso?
Temos o preço das licenças de CO2, que está no valor mais alto de sempre, mas, no longo prazo, temos as medidas de eficiência energética e a eletrificação, não só nos carros elétricos mas também nas casas, por exemplo no aquecimento. Temos ainda o hidrogénio, que pode ajudar nas atividades em que a eletrificação não é a melhor solução, como nas indústrias pesadas, e também há vários estudos e projetos de captura de carbono. Os EUA estão a apostar muito nessas tecnologias.

Mas nada disso é para já…
Na indústria, por exemplo, nas cimenteiras ou na produção de aço, há planos para usar processos com recurso a hidrogénio, mas ainda vai levar uns cinco anos. Mas os Governos têm de continuar a criar políticas, talvez alguns apoios ou subsídios, porque estas tecnologias são muito caras no início. Passou-se o mesmo com as renováveis.

O consumo energético português em 2020

Os dados são do “BP Statistical Review 2021”, um documento divulgado na semana passada e onde se faz um balanço dos mercados energéticos a nível mundial. Nele mostra-se que, tal como no resto do mundo, também em Portugal o consumo de energia caiu significativamente em 2020, devido aos confinamentos provocados pela pandemia. A única diferença foi registada no consumo de renováveis e não tem nada a ver com a covid. Tem a ver com a meteorologia.

Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de julho de 2021