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Manuel Bissopo Secretário-geral da Renamo: "A paciência está a esgotar-se"

Elisabete Azevedo-Harman

Quem acompanha a política moçambicana facilmente indica os vários nomes do xadrez político do país. Contudo, na atual crise surgiu um novo rosto - Manuel Bissopo, 44 anos, atual secretário-geral da Renamo. Tem-se tornado popular devido às suas declarações, vistas por alguns como perigosas e incendiárias e, por outros, apreciadas por serem entendidas como destemidas.

Nascido na província da Zambézia, tem feito política sobretudo na província de Sofala, mas não tinha ainda tido protagonismo nacional. Com apenas 10 meses de mandato como secretário-geral, Bissopo não é neste momento somente o número dois do partido, é também visto como o delfim de Afonso Dlakhama. Não há debate ou análise da atual situação em que o seu nome não seja mencionado.

Mas afinal quem é Bissopo? Reage com surpresa. "Mas querem mesmo saber quem eu sou?!!" Explico que é o segundo nome da Renamo, mas mais do que o lugar institucional, as declarações dele atingiam não só a Frelimo, mas também a comunidade internacional, quando exigiu a devolução das armas do seu movimento entregues após o acordo de paz e que agora, segundo ele, estarão a ser utilizadas pela Frelimo contra a Renamo e a população. Justifica-se: "Eu apenas digo o que muitos pensam, mas, devido ao ambiente que se vive no país, criado pela Frelimo, não dizem, ou por medo de violência ou com medo de perder o emprego, porque tanto as empresas como o Estado são controlados pela Frelimo".

Pergunto se sendo neste momento o homem de confiança do Presidente Dlakhama não teme que venha a terminar como outros anteriores números dois, que se afastaram ou foram afastados do partido. Responde que os outros a quem eu me referia tinham outras agendas. Ele não. Ele é um "seguidor" do seu Presidente: "Cresci na Renamo, sou um homem da Renamo, estudei com o apoio da Renamo, já usei sapatos feitos por nós no mato".

Formado em Economia, durante a guerra, juntou-se voluntariamente aos homens da Renamo. "A minha lealdade é total ao Presidente Dlakhama e à causa da Renamo - que este país não seja só de uns senhores da Frelimo, mas que seja dos moçambicanos. Todos os dias o Presidente recebe pressão para que o Norte e o Centro peça a separação do Sul e o Presidente resiste. Não o queremos, mas não sabemos até que ponto esta situação será sustentável". Contra-argumentei com os nomes do Norte e Centro que estão em lugares de importância da Frelimo e Bissopo interrompeu-me bruscamente: "Esses?! São estátuas, não têm poder!"

Pergunto se as negociações não eram sobretudo sobre a divisão das descobertas recentes de energia e minerais. Contundente, responde que sabe que querem dar a ideia de que a Renamo pretende parte dos recursos, que quer dinheiro. O que a Renamo quer, nas suas palavras, é que a gestão dos recursos seja transparente, que os megaprojetos sejam transparentes, que as taxas aplicadas às empresas sejam conhecidas. "Queremos que estes contratos sejam vistos no âmbito da Assembleia da República e não apenas nos gabinetes dos ministros da Frelimo. Não queremos a riqueza para nós, queremos para o país e não para uma pequena elite".

"Aqui dizem que o Bissopo não pode dizer que Presidente Guebuza é ladrão. Porque não? Toda a gente critica a riqueza da família Guebuza. Então porque é que eu não posso dizê-lo? Preocupam-se que a Renamo esteja interessada nas riquezas, mas não se pode questionar a atual gestão da Frelimo. As empresas que têm investido em Moçambique estão 'penhoradas' à Frelimo porque, para fazerem negócio, têm de pagar ou dar benesses ao partido. O Presidente Guebuza tem empurrado para esta situação, tentando instituir um país de partido único".

Para a mesa de negociações com a Frelimo, a Renamo levou sobretudo a sua oposição à nova forma de constituição da Comissão Nacional de Eleições e exige que este ponto seja alterado, antes mesmo das eleições autárquicas previstas para o próximo mês de novembro. Caso as negociações não se realizem, a Renamo já anunciou que irá boicotar as eleições. Digo-lhe que não seria a primeira vez que a Renamo boicotava as eleições locais e, nas outras vezes, as eleições fizeram-se. Bissopo concorda, mas sublinha que nessa altura o Presidente Dlakhama não estava na Gorongoza e "nós não estávamos a dizer, como agora, que, caso façam as eleições, iremos entender isso como uma provocação. Se for para fazer confusão, fazemos e ganhamos!". Argumento: parte do povo até poderá concordar politicamente com as exigências políticas da Renamo, mas não parece que após a experiência terrível da guerra civil o povo os acompanhe em mais violência. Fica sério e pergunta-me: "Já saiu das cidades? Já foi ver como o povo vive? Já viu a miséria e a pobreza que existe neste país?".

Já para o final da conversa diz-me que os doadores têm de, de uma vez por todas, dizer a verdade em relação a Moçambique. Se querem ou não a democracia. "Se disserem não, fica claro! Agora, este meio-termo não pode continuar". Nas suas palavras, Moçambique tem de passar a ser uma democracia em que as eleições são livres e justas, incluindo os processos eleitorais. Caso tal não se verifique, a Renamo não vai ficar quieta. "O Presidente Dlakhama tem sido muito paciente, mas a paciência está a esgotar-se. Eu oiço-o e percebo-o. As minhas tais declarações que dizem ser incendiárias são apenas a repetição das ideias do Presidente Dlakhama. Eu sou apenas um repetidor do que o Presidente diz e pensa", conclui.